II Encontro de Grupos de Estudos e Pesquisas Marxistas - dia 1

segunda-feira, 24 de maio de 2010

II Encontro de Grupos de Estudos e Pesquisas Marxistas

Recife, de 24 a 26 de Maio


Recebi a notícia por e-mail. A vida contemporânea tem dessas facilidades. As coisas pipocam em nossas caixas de mensagens. A maior parte delas, uma tremenda porcaria. Não era o caso desta mensagem particular.

Ela divulgava o II Encontro de Grupos de Estudos e Pesquisas Marxistas (II EPMARX), realizado no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. A iniciativa é do Grupo de Estudos Marxistas (GEMA) da UFPE. Falava de um objetivo básico: reunir pesquisadores que tomem o materialismo histórico dialético como método da produção de conhecimento, num sentido de desvelamento crítico da realidade para a sua transformação. Bem, sem grandes presunções, claro, cá estou eu com uma pequena pesquisa sobre Habermas e Marx, a qual alguns trechos estão disponíveis aqui no Antes Quixote (ainda pretendo postar a continuação até a conclusão).

O que realmente me chamou atenção foi, no entanto, a existência do próprio GEMA. Peguei-me diversas vezes pensando em por que não temos algo como isto na UFAL. Um grupo que reúna marxistas (ainda que de matizes diferentes) para uma produção coletiva de conhecimento crítico. E na UFAL possuímos ótimos nomes para isto. Um de meus objetivos é acompanhar a atuação do GEMA, tentar entender como ele funciona e, quem sabe, não dar uma mãozinha, com isso, na construção de algo similar em Maceió.

A questão é que temos pela UFAL uma porção considerável de grupos que se organização sob a perspectiva marxista para a discussão dos mais variados temas. Desde grupos do movimento estudantil a grupos de pesquisa consolidados isto é uma realidade. No entanto, não conseguimos, ainda, organizar um evento que possa contar com toda uma estrutura que possa permitir um maior debate entre estas esferas. Será que o GEMA pode ser um modelo para tal?

Bem, tivemos hoje o primeiro dia de encontro. Resolvi que seria interessante compartilhar impressões pelo blogue e, portanto, aí vai. Acabo de voltar para a pensão em que estou alojado e que tem acesso à internet no quarto. Então não haveria mesmo desculpa para não fazer isto. Mesmo que sejam só impressões iniciais e que não componham um relato intensivo. Acredito que mais informações poderão ser conseguidas com a própria organização no blogue do II EPMARX.

Pela primeira vez visito a UFPE. Isto não é essencial para o relato, claro, mas apenas para registrar, tenho que deixar claro que, parece-me, não há nada de muito diferente das outras universidades públicas que visitei. O aspecto meio lúgubre dos prédios, as vias mal conservadas, amplos campos não construídos cobertos por mato (não simplesmente grama). A não ser pela dimensão muito maior, poderia achar que estava na UFAL. Só que lá em Maceió quase não temos prédios com mais de um andar. Nada comparado à UFPE.

Hoje foi o primeiro dia de encontro com uma programação bastante leve. O Credenciamento começaria à 14h30. A mesa de abertura foi marcada para 19h. Como não teria muito o que fazer durante a tarde na UFPE, resolvi que faria o credenciamento antes da palestra mesmo. Passei a tarde descansando. Por volta das 17h30 já estava credenciado esperando pelo horário da palestra.

Enquanto esperava, li o encarte produzido pela organização do evento quando soube o horário das apresentações de trabalhos, incluindo o meu. 8h30 do dia 25. Amanhã. O que me força a tentar descansar hoje. São 20 min de apresentação. Poucas apresentações por grupos para permitir uma discussão acerca delas. Tive uma surpresa que julgo positiva. Em meu grupo, um camarada, que não conheço, chamado Éder Ferreira apresentará o trabalho de título “Marxismo & Direito: o fenômeno jurídico na obra do jovem Marx”. É justamente o tema que pretendo desenvolver no projeto de mestrado para o qual tenho reunido alguma bibliografia. Talvez possamos trocar figurinhas. Talvez, inclusive, eu seja forçado a buscar outro tema, caso a pesquisa já esteja em termos que cuidem suficientemente bem da questão. Fiquei ansioso para acompanhar a apresentação e o debate sobre o trabalho. É o primeiro do cronograma. O meu é o quarto.

Durante a noite, teríamos a palestra de abertura “Sujeito Revolucionário: quais os desafios na atualidade?”, com intervenções do Prof. Dr. Mauro Iasi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e do Prof. Dr. Jorge Luiz Acanda, da Universidad de La Habana. Infelizmente o professor cubano não pôde estar presente. Por complicações anunciadas durante a abertura do evento, ele só se fará presente no encontro na quarta-feira (26/05). Iasi acabou assumindo a mesa sozinho, com um tempo de intervenção relativamente longo. Não sei se seria o mesmo caso ambos os professores estivessem na mesa.

Duas boas coisas, no entanto. A primeira, menos importante, a pontualidade foi excepcional. Não é comum encontrar eventos que comecem exatamente na hora marcada, seja por parte da organização, seja por parte do público. Não foi o caso hoje. A segunda, na fala de abertura da Organização do EPMARX, levantou-se o interesse de reunir os grupos de estudos amanhã, às 11h, logo após as apresentações, para trocas de experiências. Eu entendi que seriam, principalmente, experiências organizativas a serem debatidas. Estarei com certeza no espaço.

Para quem já viu alguma intervenção do Mauro Iasi o que vou dizer soará muito claro. Ele possui um domínio de público admirável. Consegue falar de temas importantes com uma leveza invejável. Talvez, em certos momentos, claro, esta leveza acabe implicando em certas simplificações muito pesadas. Mas não acho que foi o caso predominante hoje.

Pretendo, claro, apenas fazer um relato rápido do dia, mas ele seria completamente esvaziado se não contasse com uma rápida sistematização da palestra do Iasi. Pois bem, tentando fazer isso de maneira muito rápida para que os leitores tenham, ao menos, noção do que aconteceu, não o faço pretendendo ser um repasse conclusivo. Aliás, é possível (e muito provável) que impressões diferentes tenham surgido em outros observadores.

Iasi, tratando do tema do sujeito revolucionário hoje, dividiu a apresentação em três pontos, todas englobando um aspecto das atuais críticas ao marxismo. Primeiro, o fato de que, para Marx, assim como para Hegel, a história teria uma teleologia em si mesma, o que seria falso, não havendo sentido no processo histórico e, por isso mesmo, não havendo sujeito dele. Segundo, Marx teria equivocado-se em sua previsão da simplificação dos conflitos de classe entre proletariado e burguesia, já que hoje, o que teríamos, na verdade, seria uma ampla camada média, que não está identificado a qualquer destes setores. Terceiro ponto, a reestruturação produtiva teria desconstruído a sociedade com base no paradigma do trabalho.

Em termos muito panorâmicos, a fala do Iasi sustentou o seguinte: a) há uma diferença entre o papel da teleologia na história entre Hegel e Marx. Hegel, como pensador da ascensão da burguesia teria conseguido perceber diversos nexos da materialidade, especialmente expressos em sua compreensão dialética do mundo. No entanto, ele jamais teria saído do idealismo, colocando no espírito absoluto, o sujeito da história. Marx traria um salto qualitativo na perspectiva de que o sujeito histórico é um sujeito material, a classe proletária. Não se trataria, evidentemente, do ser puramente empírico da classe, mas de suas determinações ontológicas. Assim, os homens poderiam fazer história, e ela não teria, como gostariam Niezsche e Foulcault, um decorrer no eterno presente sem qualquer sentido; b) as classes possuem, ainda, uma importância central no campo da construção histórica. Iasi citou a tese de Dahrendorf para exemplificar uma destas formulações. Marx teria acertado absolutamente tudo em relação ao séc. XIX. Mas suas previsões não se concretizaram. Marx teria sido um teórico da escassez, oposto ao séc. XX, onde viveríamos a sociedade da abundância, sendo possível a igualdade não apenas formal, mas material. Desta forma, o conflito deslocaria-se dos espaços da produção, do trabalho, para a política, que seria o espaço da distribuição de riqueza. c) por fim, com referência, inicialmente a Hannah Arendt e, mais tarde, a Gorz, Iasi exemplificou as teses de fim do proletariado com o processo de reestruturação produtiva. Em sua concepção, que acredita estar lastreada em Marx, o proletariado, no entanto, não apenas não diminuiu, como aumentou em termos absolutos. Seu cálculo é de que o que antes contava como 1,5 bilhões, estaria hoje na casa dos 3 bilhões de pessoas no mundo. Ele conta, aí, não apenas o operariado, mas todos aqueles que dependem da venda de sua força de trabalho para a sobrevivência. Com isso, estariam resguardadas todas as outras questões, e, inclusive, a atualidade do pensamento de marxista e marxeano aí baseados.

Algumas questões interessantes foram levantadas pelos espectadores durante os debates. Mas gostaria apenas de citar uma das questões colocadas pelo Prof. Dr. Ivo Tonet (UFAL) durante o debate, questionando o critério do assalariamento para a definição da classe proletária. Citou, como nome importante nesta discussão, o Prof. Dr. Sérgio Lessa (UFAL). Iasi, respondeu resguardando sua concepção. Para ele, a forma que Marx descreve o trabalho no cap. V d'O Capital, seria apenas a forma singular do trabalho. Livre de suas determinações concretas. No capitalismo, o trabalho incluiria os trabalhadores produtivos de mais-valia, o que coloca, no seio da classe proletária, uma ampla gama de assalariados. Ele citou que concorda com o Ricardo Antunes, após a revisão que o mesmo fez em sua tesa da classe-que-vive-do-trabalho. Para ele, seria a classe-que-vive-da-força-de-trabalho. Citou os exemplos do mestre-escola e da bailarina.

Não pretendo comentar a questão, pois isto mereceria um debate isolado sobre o tema. É, de fato, a questão central do debate interno ao campo marxista hoje. Claro que saímos do debate com a discussão ainda nas cabeças, cada qual tomando uma posição, que não pode ser mais do que preliminar por ora. A minha, por enquanto, é a do Lessa. Proletariado é o operariado, aquele que atua na produção de riqueza material, e não simplesmente qualquer assalariado que produza mais-valor. Isto não retira a importância de organização de todas as outras categorias.

Foi um dia agradável. Ainda preciso preparar a sistematização de minha apresentação amanhã de manhã. Portanto, até as próximas notícias.

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