Do The Evolution, Baby!!!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Durante a década de 1990 um gênero musical particular tornou-se uma febre juvenil. O Grunge tem Seattle, cidade do noroeste dos Estados Unidos, também famosa (pelo menos para os fãs de rock) por ser o berço do Jimi Hendrix, definida como seu centro gravitacional geográfico, por assim dizer. Isto se dá pelo grande número de bandas que partiram daí, e mesmo por entre elas estarem as pioneiras entre as que consiguiram levar o estilo para o grande público.

Entender o Grunge como um estilo musical, ou mesmo um movimento cultural traz dificuldades. A diversidade entre as bandas e músicas, a recusa de rótulos rígidos, e a própria existência fragmentada de seus atores (bandas como o Nirvana, por exemplo, se recusavam a aparecer junto de outras justamenta para não fomentar uma utilização comercial do selo Grunge) são motivos suficientes para demonstrar isto. No entanto, é possível encontrar alguns traços que delineam uma certa unicidade. Em geral, músicas com uma "parede sonora" bastante suja (abusando de guitarras distorcidas, por exemplo), vocais nervosos alternando entre gritos e sussurros, e um pessimismo visível e sarcasmo geral como temas principais das letras.

O estilo não é espetacular. Mas, de qualquer forma, o recuo da febre dos anos 1990, que quase sufocou seus elementos mais interessantes, quase vinte anos depois de seu surgimento permitem que seja apreciado de uma forma mais sincera. O fenômeno comercial que bandas como Nirvana, Pearl Jam, SoundGarden etc., atingiram acabaram criando inúmeros sub-produtos que, de uma forma global, prejudicaram a trajetória do gênero.

De qualquer forma, parece que o Grunge, a exemplo do que foi o Punk em sua própria época, acabou por se tornar uma representação de uma situação coletiva vivida pela juventude que o acompanhou. Enquanto o movimento Punk teve, como seio, os filhos da classe operária inglesa da década de 1970, testemunhas de uma crise econômica mundial e de uma malfadada tentativa de governo de esquerda na Inglaterra e, por isto, alcançou as mais diversas expressões (do niilismo, ao extremismo de esquerda ou de direita em suas letras e bandas, no que diz respeito à música), o Grunge casou mais com uma juventude norte-americana desiludida e, provavelmente, sensível a uma sociedade baseada na incansável competição por um lugar ao sol.

A postura conflituosa que as bandas do gênero tiveram com o mercado durante o seu percurso pode ser um bom exemplo. Embora não se possa dizer que eram declaradamente anti-comerciais, atitudes como a recusa de seguir desígnios das grandes gravadoras tornando o estilo mais pop, ou de brigas com grandes distribuidoras de ingressos no território americano, ativismo em organizações ecologistas, engajamento em causas pacifistas etc., marcam posturas de vários destes grupos. Isto causado ao niilismo e a uma repulsa mais por instinto, do que consequente, de certos valores da sociedade capitalista ocidental, como padrões de beleza difundidos pela cultura de massas, consumismo etc.

Nada de grande, no entanto. Nada que permita dizer que o movimento refletiu uma postura consequente contra uma sociedade à qual repudiava. O que não despreza elementos de lucidez ao longo do caminho.

Um destes é Do The Evolution (Faça a Evolução). Música de 1998, do disco Yeld do Pearl Jam. De qualquer maneira, pode-se, inclusive, dizer que a música já vem de uma fase "menos Grunge" do grupo, segundo seus próprios fãs. Mas a canção não se coloca de todo fora do estilo. Ritmo agitado, vocais gritados e som sujo marcam-na claramente. O interesse que ela levanta, contudo, é a forma como ela resgata valores que ficaram incrustrados em uma, digamos, "cultura rebelde ocidental" que encontra prováveis raízes nas décadas do pós-guerra.

Do The Evolution narra a paradoxal aventura humana de progresso histórico-tecnológico que, no fim das contas, confunde-se com uma aprofundamento cada vez maior da desumanidade dos próprios seres humanos. Uma evolução em caminho contrário, já que os valores econômicos acabariam valendo mais do que as necessidades dos próprios homens. O curioso é que isto a aproxima bastante da tese primordial da Escola de Frankfurt, capitaneada por Adorno e Horkheimer, da razão instrumental.

A razão instrumental seria aquela que teria permitido aos homens desenvolver os modernos meios produtivos. Mas, ao mesmo tempo, esta razão voltada para o atingimento de fins teria levado a humanidade ao estágio de desigualdade e barbárie atual. Durante a música do Pearl Jam frases como "sou o primeiro mamífero a fazer planos" ou "é a evolução, baby!", marcam bastante esta semelhança. A frase "todas as colinas rolantes eu as aplainarei", guarda uma relação muito estreita com o que os frankfurtianos achavam que era a forma como a ciência via a natureza, algo externo a ser controlado em nome do progresso. O vídeo clipe produzido pela banda (em geral uma forma mercantil de propagandear a música, mas em alguns casos específicos bastante interessante) sequências de cenas também demonstram isto. Nele, a imagem da garota branca de cabelos pretos parece representar, fielmente, a razão instrumental iluminista.

Segundo Adorno e Horkheimer, o Iluminismo, que tinha como projeto emancipar a humanidade através do esclarecimento permitido pela razão, do afastamento do mito, acaba, ele mesmo, transformando-a em um novo mito. A forma como a ciência se comporta na sociedade moderna, "substituindo o xamã", e perpetuando de forma a-crítica e a-histórica suas conclusões, é o resultado disto. No clipe da banda de Seattle, uma cena rápida, em particular, me parece representar bem isto. É o momento em que um grupo de homens "civilizados" dançam de forma ritualística em torno de uma lata de lixo em chamas.

É difícil acreditar que os integrantes do Pearl Jam tenham alguma leitura profunda sobre a Escola de Frankfurt ou mesmo que tenham escrito a canção fazendo uma referência proposital à obra dos filósofos alemães. Seria mais aceitável achar que a banda apenas sintetizou uma impressão que, iniciada em círculos acadêmicos específicos, acabou ganhando as ruas através de movimentos sociais (no caso dos frankfurtianos, o movimento estudantil de 1968 é o maior exemplo), e, assim, chegando à consciência popular de uma forma mais ou menos sedimentada.

Nada disto significa rebaixar os méritos da obra, que se identifica com um daqueles bons momentos a serem garimpados no rock americano. Acho mesmo que os artistas não são necessarimente intelectuais, mas muito mais pessoas com cerca sensibilidade capaz de, justamente, sintetizar expressões particulares em uma determinada forma. Isto parece explicar melhor boas músicas de artistas, em geral, complicados como Raul Seixas, Cazuza, Beatles etc. Claro que isto também não impede de existirem artistas muito mais lúcidos e consequentes.

No que diz respeito, especificamente, ao Pearl Jam aqui, resta o seguinte: das atitudes mais politizadas do Grunge, a banda esteve entre os principais protragonistas. Sua aproximação a artistas como Neil Young, por exemplo, também famoso por letras que abalam o american proud, marcaram posturas como estas. Não são grandes artistas, é verdade, mas há certos aspectos interessantes, que podem ser explorados. Quanto à sua semelhança com Frankfurt: a descrença no futuro, o pessimismo e a apatia, no que diz respeito a uma mudança radical da realidade, selam a aproximação.

Do The Evolution

Woo../ Im ahead, Im a man/ Im the first mammal to wear pants, yeah/ Im at peace with my lust/ I can kill cause in God I trust, yeah/ Its evolution, baby/ Im at piece, Im the man/ Buying stocks on the day of the crash/ On the loose, Im a truck/ All the rolling hills, Ill flatten em out, yeah/ Its herd behavior, uh huh/ Its evolution, baby/ Admire me, admire my home/ Admire my song, heres my coat/ Yeah, yeah, yeah, yeah/ This land is mine, this land is free/ Ill do what I want but irresponsibly/ Its evolution, baby/ Im a thief, Im a liar/ Theres my church, I sing in the choir:/ (hallelujah hallelujah)/ Admire me, admire my home/ Admire my song, admire my clothes/ cause we know, appetite for a nightly feast/ Those ignorant indians got nothin on me/ Nothin, why? / Because, its evolution, baby!/ I am ahead, I am advanced/ I am the first mammal to make plans, yeah/ I crawled the earth, but now Im higher/ Twenty-ten, watch it go to fire/ Its evolution, baby (2x)/ Do the evolution/ Come on, come on, come on

Faça a Evolução

Eu estou à frente, eu sou um homem/ Eu sou o primeiro mamífero a vestir calças, yeah/ Eu estou em paz com minha luxúria / Eu posso matar porque em Deus eu confio, yeah/ isto é evolução, baby/ Eu sou uma besta, eu sou o homem/ Tinha ações no dia em que a Bolsa quebrou, yeah/ Livre, eu sou um caminhão/ Todas as colinas rolantes eu as aplainarei, yeah/ É um comportamento em rebanho/ Uh-huh, isto é evolução, baby, /Me admire, admire minha casa/ Admire meu filho, ele é meu clone/ Yeah, yeah/ Esta terra é minha, esta terra é livre/ Eu farei o que quiser embora irresponsavelmente/ isto é evolução, baby,/ Eu sou um ladrão, eu sou um mentiroso/ Aqui é minha igreja, eu canto no coro (interlúdio do coro: Aleluia)/ Me admire, admire minha casa/ Admire minha canção, admire minhas roupas/ Pois nós conhecemos o apetite para um banquete noturno, / A esses índios ignorantes não devo nada,/ Nada, Por quê? /
Porque: isto é evolução, baby!/ Eu estou à frente, eu sou desenvolvido/ Eu sou o primeiro mamífero a fazer planos/ Eu rastejei na terra, agora voo pelos céus/ 2010, veja pegando fogo!/ isto é evolução, baby {2x}/ Faça a evolução/ Vamos, vamos, vamos...


O canto das sereias e o capitalismo

sábado, 8 de agosto de 2009


Trecho de ensaio de Adorno e Horkheimer (Conceito de Iluminismo), publicado em sua A Dialética do Esclarecimento. Na passagem utilizam-se da obra homérica para explicar de forma alegórica a dominação da razão instrumental sobre a sociedade humana. Interessante o significado conferido ao canto das sereias. Enfim, vai logo abaixo. Em breve devo estar postando as primeiras páginas do TCC que tratam justamente desta questão.

Num relato homérico é preservado o entrelaçamento entre mito, dominação e trabalho. O décimo-segundo canto da Odisséia narra a passagem diante de sereias. O chamariz era a tentação de perder-se no passado. Mas o herói que é submetido à tentação chegou à maioridade no sofrimento. Na variedade dos perigos mortais, nos quais ele se devia manter firme, a unidade de sua própria vida, a identidade de pessoa endureceu-se. Como água, terra e ar separam-se para ele os reinos do tempo. Para ele, a maré do que era refluiu da roca do presente e o futuro nublado carrega o horizonte. O que Ulisses deixou atrás de si entrou no mundo das sombras; o si-mesmo está ainda tão perto do mito do ante-tempo, de cujo seio se separou penosamente, que seu próprio passado vivido se converte para ele no ante-tempo mítico. Pela ordem firme do tempo ele procura um paliativo para isso. O esquema tripartido deve libertar o momento presente do poder do passado, expulsando este último para trás do limite absoluto do irrestituível e pondo-o à disposição do agora a título de saber praticável. O afã de salvar o passado enquanto vivo, em vez de usá-lo como material do progresso, só é apaziguado na arte, à qual a própria história pertence enquanto exposição da vida passada. Enquanto renuncia a valer como conhecimento, fechando-se assim para a práxis, a arte é tolerada, assim como o prazer, perla práxis social. Mas o canto das sereias ainda não foi privado da sua força, ainda não foi reduzido a arte. Elas sabem de "tudo quanto se passa na terra fecunda", sobretudo aquilo que o próprio Ulisses participou, "tudo quanto os argivos e troianos sofreram na arrasada Tróia pela vontade dos deuses".

Evocando diretamente o passado mais recente, elas ameaçam, com a irresistível promessa de prazer percebida no seu canto, a ordem patriarcal que só devolve a vida de cada um contra sua plena medida de tempo. Quem vai atrás das artimanhas das sereias cai na perdição, desde que só a permanente presença de espírito arranca a existência da natureza. Se as sereias sabem de tudo o que se passou, elas exigem o futuro como preço disso e a promissão do feliz retorno é o engano pelo qual o passado captura o saudoso. Ulisses foi prevenido por Circe, divindade que transforma os homens em animais; ele lhe soube resistir e, em compensação, ela lhe deu a força de resistir a outros poderes de dissolução. Mas a sedução das sereias é assim mesmo forte demais. Ninguém que ouça o seu canto pode escapar-lhe. A humanidade teve que infligir-se terríveis violências até ser produzido o si-mesmo, o caráter do homem idêntico, viril, dirigido para fins, e algo disso se repete ainda em cada infância. O esforço para manter firme o eu pretende-se ao eu em todos os seus estágios e a tentação de perdê-lo sempre veio de par com a cega decisão de conservá-lo. A embriaguez narcótica que faz expiar, com um sono semelhante à morte, a euforia que suspende o si-mesmo, é uma das mais antigas instituições sociais que fazem a mediação entre autoconservação e auto-aniquilamento, uma tentativa do si-mesmo de sobreviver a si próprio. A angústia de perder o si-mesmo e de suprimir com ele a fronteira entre si próprio e a outra vida, o pavor perante morte e destruição, irmana-se com uma promessa de felicidade que ameaçava a civilização a cada momento. Seu caminho era o da obediência e do trabalho, sobre o qual a satisfação reluzia permanentemente como mera aparência, como beleza esvaziada de força. Inimigo tanto da própria morte como da própria felicidade, o pensamento de Ulisses sabe disso. Ele conhece apenas duas saídas possíveis. Uma ele prescreve a seus companheiros. Ele lhes tapa as orelhas com cera e manda-os remar com todas as forças que têm. Quem quiser subsistir não deverá dar ouvidos à tentação do irrestituível e isso só poderá ser evitado caso não lhe for possível escutá-la. Disso a sociedade sempre cuidou. Viçosos e concentrados, os trabalhadores devem olhar para frente deixar de lado o que estiver de lado. Eles devem sublimar o impulso que os pressiona ao desvio, aferrando-se ao esforço suplementar. Assim eles se tornam práticos. - A outra saída é a que é escolhida pelo próprio Ulisses, o senhor de terras, que faz os outros trabalharem para si. Ele escuta, porém privado de forças, atado ao mastro e, quanto maior se torna a tentação, mais fortemente ele se faz acorrentar, da mesma maneira que, em épocas posteriores, os burgueses recusarão a felicidade para si mesmos, com tanto maior obstinação quanto mais a tenham ao seu alcance, com o crescimento do seu poder. O escutado não tem consequências para ele, que pode apenas acenar com a cabeça para que o soltem porém tarde demais: os companheiros, que não podem escutar sabem apenas do perigo do canto, não da sua beleza, e deixam-no atado ao mastro para salvar a ele a si próprios. Eles reproduzem a vida do opressor ao mesmo tempo que a sua própria vida e ele não pode mais fugir a seu papel social. Os vínculos pelos quais ele é irrevogavelmente acorrentado à práxis ao mesmo tempo guardam as sereias à distância da práxis: sua tentação é neutralizada em puro objeto de contemplação, em arte. O acorrentado assiste a um concerto escutando imóvel, como fará depois o público de um concerto, e seu grito apaixonado pela libertação perde-se num aplauso. Assim o prazer artístico e o trabalho manual se separam na despedida do ante-mundo. A epopéia já contém a teoria correta. Os bens culturais estão em exata correlação com o trabalho comandado e os dois se fundamentam na inelutável coação à dominação social sobre a natureza.