A democracia entre o morro e a internet

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A democracia entre o morro e a internet

Durante a ditadura militar brasileira que durou entre as décadas de 1960 e 1980, militantes de esquerda e pró-democracia eram perseguidos pelo regime por suas posições políticas pura e simplesmente. Contudo, ainda que se trate de um governo militar, baseado na doutrina da segurança nacional, é por demais custoso agir dessa maneira. Prender alguém por suas simples opiniões não é assim tão fácil quanto parece. Era demandada do governo uma habilidade especial para incriminar os perseguidos. Se isto era relativamente simples para aqueles que aderiram à luta armada (urbana ou não), ficava consideravelmente mais difícil quando se tratava de intelectuais, artistas, políticos que se valiam de meios pacíficos e legais para realizar suas atividades.


Um ponto curioso neste contexto é o comportamento das organizações de esquerda no período. Sem deixar de levar a cabo suas atividades clandestinas contra o regime, estas, por outro lado, performavam um trabalho de conscientização e vigilância constante sobre seus integrantes no que diz respeito a regras comportamentais de segurança. O uso de drogas, por exemplo, era algo completamente condenável por parte das organizações de esquerda do Brasil ditatorial. Em parte por um certo moralismo que afastava artistas mais progressistas como é o caso dos tropicalistas de uma forma geral. Mas a razão principal para isto advinha do perigo para a segurança do militante e da própria organização para tal prática. Ser preso pelo porte de drogas era perigoso para um integrante dos Mutantes, é claro. Era, porém, consideravelmente fatal para um comunista. A acusação serviria de simples pretexto para a ação do Estado sobre ele, para interrogatórios que punham em risco toda a sua organização etc. Por isto, os partidos de esquerda, todos clandestinos, evitavam práticas do tipo.


As coisas mudam para ficarem do mesmo jeito. Por um lado, a criminalização da comercialização das drogas continua sendo um dos pretextos mais legitimadores para a ação policial nas periferias das grandes cidades. Por outro, a criminalização “legítima” é ainda a forma de melhor justificar a ação repressora do Estado sobre qualquer ameaça simples ao status quo. Há, aqui, uma relação clara entre as ocupações militares dos morros do Rio de Janeiro e a prisão do fundador do WikiLeaks Julian Assange.


Quanto à primeira, que melhor maneira de subir os morros, desrespeitar todos os direitos fundamentais de uma população inteira, julgar sumariamente todos os cidadãos de uma favela dividindo-os entre culpados e inocentes, com direito a execução sumária e, de quebra, conseguir apoio consideravelmente forte por toda a parte da população? Disparando contra os “bandidos”, é claro. Fazem apenas 22 anos que os brasileiros conseguiram colocar seu exército de volta à caserna e já começa-se a aplaudir, novamente, as suas saídas, ainda esporádicas, às ruas.


Não se confunda. Não se quer aqui defender os homens de alta periculosidade que controlam o tráfico nos morros do Rio de Janeiro. Mas pense-se, em contra mão, da seguinte maneira: quanto tempo há desde a última incursão policial, por exemplo, no Complexo do Alemão tida, e comemorada pela mídia, como um sucesso, na “luta contra o tráfico”? Muito pouco! E já assistimos novamente ao mesmo “espetáculo” e à mesma comemoração. Um eterno “dia D” carioca; que se perpetua pela prática sistemática do ataque aos efeitos e não às causas da pobreza, da barbárie, da violência urbana etc. Com a manutenção das causas que tornam o tráfico uma presença dominadora na periferia e da criminalização deste comércio, o Estado mantém o seu melhor pretexto para a vigilância das áreas de maior tensão social, marcadas pela reunião dos setores mais pauperizados e, por isto mesmo, potencialmente inclinados à rebelião. Contribui, ainda, para a formação de uma delinquência completamente dócil: por mais que o tráfico seja violento, muito pouco ele contribui para uma ameaça real ao poder e ao status quo, sendo muito mais um novo nicho de valorização do capital.


Neste mesmo sentido caminha a prisão de Assange. Fundador do sítio que em novembro divulgou um entorno de 250 mil documentos secretos da diplomacia americana, o australiano foi ameaçado de ser caçado como bin Laden por tal atitude. Para a “diplomacia democrática” americana e em geral, a publicidade é um princípio altamente relativizado, diga-se de passagem. Julian foi preso em Londres, acusado por crimes sexuais.


Militantes de esquerda durante a ditadura brasileira, como dito, evitavam completamente o uso de drogas ilícitas, e mesmo de lícitas como álcool por uma questão geral de segurança. Parece mesmo crível que um homem que resolve desafiar os governos mais poderosos do mundo, publicizando documentos que deveriam permanecer secretos por questões de “segurança nacional”, fugindo de país em país para tanto, teria, de quebra, a verdadeira petulância de, além de tudo isto, meter-se com condutas sexuais criminosas?! Não seria minimamente insensato?


Talvez especialistas em Direito Internacional torçam o nariz para isto, mas tudo parece uma bela armação. É factível pensar que nenhum Estado encontrará em suas regras, e mesmo em Convenções Internacionais uma forma de tipificação suficiente para condenar uma atitude como a de Julian Assange. É princípio do Direito Penal liberal que não poderá haver pena, sem que haja uma conduta prevista em lei como crime. Se não existe algum diploma internacional que expressamente condene a atitude do fundador do WikiLeaks, ele não poderia ser perseguido pelo conteúdo do sítio. Os crimes sexuais supostamente cometidos por ele, e que vieram à tona apenas depois do verdadeiro escândalo causado pelas informações divulgadas, portanto, foram uma “mão na roda” para tirá-lo de circulação e proteger todos os segredos do imperialismo e daqueles que lucram com ele.


Os dois episódios comentados foram levados à frente sob a tão querida, defendida e cortejada “democracia”. A “democracia” que invade as casas de fuzis nas mãos e tanques nas ruas é aquela que persegue um fundador de uma página na internet que tem por objetivo apresentar aos cidadãos os planos de seus governantes de maneira pública para que possam, eles mesmos, avaliá-los. Em suma, Quino acertou em cheio em uma charge em que sua famosa personagem Mafalda aprende o significado do termo em um dicionário: “Governo de cuja soberania é do povo”; e seguidamente cai na gargalhada!


Segurança pública e liberdade de expressão para todos; todos os nossos”. Analisar a democracia e deixar de lado a análise da configuração de classes da sociedade contemporânea é o primeiro passo para tornar simplesmente inexplicável os processos que estão colocados acima. O Estado e o Direito passam a se colocar e serem claramente manipulados com base na defesa dos interesses das classes dominantes e detentoras do capital. A democracia é boa, principalmente no modelo hodurenho. Ou seja, aquela que está sob as rédeas e fora de perigo de dar o poder a quem deveria tê-lo. E não se use a palavra povo, do qual todos participam. Diga-se: o poder deveria estar sob a mão dos trabalhadores, que são capazes de fundar bases sociais que tornam dispensável uma “democracia” de alguns e contra muitos.



Dois anos de Quixote

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dois anos de Quixote


Em 8 de dezembro de 2008 postei o texto Antes Quixote! neste endereço. Passaram-se dois anos quase desapercebidamente. Pensei que seria justo uma postagem para não deixar a data passar em branco.


Contudo, vem a questão: o que escrever em uma postagem comemorativa? Não sei muito bem se há algo a ser comemorado de fato. Em dois anos, segundo o contador do histats, chegamos a pouco mais que 7000 visitantes. Não é uma marca e tanto. Alguns blogues por aí a conseguem em uma média de meses. É verdade que é preciso levar em consideração que o Antes Quixote nunca teve uma divulgação digna de ser chamada dessa forma. “A gente vai levando” a página. A cada vez que aumentava um número no item Como Sancha Pança, de seguidores, era uma surpresa. Hoje são 24, se não estou enganado, entre amigos blogueiros e pessoas que não conheço pessoalmente.


O número de leitores, portanto, não é nenhuma conquista fundamental, mesmo levando em consideração a pouca publicidade. Mas, se penso no motivo pelo qual resolvi criar o blogue, a coisa parece melhorar de perspectiva. O lema que serve de subtítulo ao mesmo (sandices e desventuras) parece continuar atual. Não por qualquer coisa. Há dois motivos principais para isso.


O primeiro tem a ver com a coerência que penso ter sido mantida nas postagens que aqui se encontram. Quando o blogue foi criado, o seu objetivo era o de apresentar algumas discussões que destoassem do que geralmente se posta em um sítio como este. Não era para servir como um diário, ou como uma página leve de piadas, contos da vida, enfim, nada disso. A ideia era trazer algumas discussões que fossem um pouco mais profundas. Em geral, no limite das capacidades do autor.


Fazer discussões que casassem os estudos de filosofia com comentários acerca do quotidiano, podemos dizer, maluco que aparece pelas telas de TV, cinema etc. Nas linhas que foram publicadas aqui, tentou-se discutir acerca de filmes, notícias, eventos etc., mas com uma preocupação de colocar em questão a perspectiva de mundo que eles apresentavam. De tentar fazer com que a digestão que costumamos fazer de cada um deles não fosse automática e irrefletida como é comum. Mas que aproveitássemos as expressões que eles representam para criticá-las e compreendê-las. E por que isso? Porque pensamos que a crítica do quotidiano é cada vez mais necessária em um tempo em que tudo parece perder sentido.


Tem a ver com o segundo motivo pelo qual o lema continua valendo. Durante estes dois anos muito e nada de espetacular aconteceu. Bem, de fato é contraditório. Aconteceram várias coisas importantes é verdade. Desde uma crise econômica mundial, greves gerais na França, insurreições populares na Grécia, a vitória de um presidente negro nos EUA e uma mulher no Brasil, coisas que puxei em uma rápida piscadela da memória. São grandes fatos. Mas nenhum deles foi grande o suficiente para fazer com que as coisas que são ditas aqui no Antes Quixote deixem de soar, para a esmagadora maioria das pessoas, como sandices e desventuras. Ou como anacronismo, para usar um termo respeitoso.


Em suma, a crítica do quotidiano continua ser necessária, porque ele continua exatamente como está desde que o blogue foi criado. Evidente que ninguém esperava que, em dois anos, a realidade mudasse de maneira tão profunda que o lema do Antes Quixote se tornasse ultrapassado. Mas às vezes é importante repetir o óbvio. Principalmente quando se trata de uma obviedade que costuma permanecer encoberta nas horas que se arrastam dia após dia.


O principal não mudou, está claro, mas algumas coisas devem mudar. Nunca foi objetivo do Antes Quixote ser um blogue pessoal, como aqueles que falam mais da vida de seus autores do que de qualquer outra coisa. Mas o fato de ele ser alimentado por um único autor acaba contribuindo para que as mudanças pessoais do mesmo representem mudanças do blogue. Às vezes sentidas nas opiniões apresentadas, às vezes na dinâmica própria do sítio, no tempo de postagem, nos temas discutidos e em uma série de outros fatores.


O ano de 2010 representou um diferencial no Antes Quixote se comparado a 2009. Foram, penso, um em torno de trinta postagens a mais, entre textos próprios e discussões trazidas de outros locais a serem divulgadas. É um salto qualitativo, pois houve mais dedicação com a página, ainda que ela nunca tenha sido o quanto é devido aos leitores. Peço desculpas por isso. Gostaria de prometer que 2011 será diferente. Mas correria o risco de estar mentindo.


No próximo ano enfrentarei uma mudança intensa de rotina, da qual ainda não tenho muito vislumbre em relação à sua extensão. Vou passar a integrar um programa de mestrado, desenvolver uma dissertação com tema A Crítica da Democracia e do Direito no Jovem Marx e, o que é mais importante uma mudança de cidade e estado. É fato que a maneira como uma pessoa vê o mundo passa por grandes transformações com tudo isto. Não será diferente aqui. E penso que é quase impossível que isso não se reflita no Antes Quixote.


Um projeto, contudo continua de certeza: lutar contra os moinhos de vento de nosso tempo, que são grandes, e têm se multiplicado a cada dia. Seremos tão quixotescos quanto antes, e teremos ainda menos vergonha disso. Afinal, parafraseando aquele filme do Walter Salles: “em terra de cego, quem tem um olho... é doido”.


Por fim, gostaria de agradecer aos leitores e camaradas que comentam os textos ou não. Com comentários públicos na página, ou mesmo nas mesas de bar. E agradeço especialmente à Shu, que está sempre com muita paciência para ouvir todas as ideias mirabolantes que aparecem para o Quixote, inclusive aquelas que são muito ruins, e dar opiniões geralmnete mais racionais sobre quase tudo, desde os temas dos textos, até a identidade visual do blogue.


Um feliz 2011 para todos!

Parabéns ao Antes Quixote pelos dois anos!

Cuba: Un documento peligroso y contradictorio

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cuba

Un documento peligroso y contradictorio (I)
Guillermo Almeyra
La Jornada
Partido Revolucionario de los Trabajadores



El Partido Comunista Cubano prepara su VI Congreso para abril próximo y, para ello, emitió un documento económico-social que –para los amigos de la revolución cubana- despierta grandes preocupaciones y, para la población de la isla es un golpe brutal, desmoralizador. Desgraciadamente, salvo los enemigos del proceso revolucionario, que se regocijan con las dificultades por las que éste atraviesa, no se leen análisis ni se escuchan opiniones sobre el curso que está siguiendo la revolución cubana, que sin embargo es tan decisiva para el proceso de liberación de toda América Latina. Por eso, con los límites que resultan de la posibilidad de escribir sólo un corto artículo cada domingo, me veré obligado a dedicar a este tema una serie de artículos, a sabiendas de que siete o quince días después pocos recordarán -si la han leído- la primer nota de la misma.

Haré aquí algunas consideraciones generales, dejando para las sucesivas entregas el estudio de los artículos más peligrosos del documento del PCC y, naturalmente, lo que podría ser una alternativa. En primer lugar, considero que seguir con detenimiento y pasión lo que sucede y podría suceder en Cuba es un derecho y un deber no sólo de todo socialista sino también de todo latinoamericano que lucha por la independencia de nuestros países y por la liberación nacional y social del continente. En efecto, lo de Cuba es demasiado importante y demasiado grave para que sea sólo tema de discusión de los cubanos.

En segundo lugar, considero que, si se convoca el Congreso para abril del 2011 supuestamente como instancia de consulta y de decisión, no es posible empezar ya este año a aplicar medidas fundamentales e irreversibles en muchos campos de la actividad económica colocando a todos ante hechos consumados y al Congreso mismo en el triste papel de simple aprobador-legitimizador de resoluciones adoptadas por pocos en el aparato estatal. La desgraciada fusión entre el Partido comunista y el Estado subordina el primero al segundo y le hace adoptar como propias la lógica y las necesidades estatales, anulando así su propio papel de control y de crítico y vigilante, por no hablar de su papel indirecto de portavoz de opiniones y necesidades de los trabajadores.

Ahora bien, como recalcaba Lenin, el Estado es, incluso después de la revolución, un instrumento de clase, la expresión de la subsistencia del mercado mundial capitalista y de los valores y métodos burgueses de dominación, lo cual obliga al partido (y a los sindicatos) a defender los derechos particulares de los trabajadores incluso contra “su” Estado y, por lo tanto, a no someterse al mismo. El hecho de que el programa económico-social que analizamos sea un programa exclusivamente burocrático-estatal destinado, según proclama, al fortalecimiento de la institucionalidad y a la reforma del Estado y del gobierno, destaca aún más el achatamiento del partido frente a éstos. Porque, si por institucionalidad se entiende poner coto al arbitrio y al voluntarismo desorganizadores de la economía y causantes del despilfarro, la incuria y la falta de control que permiten la corrupción y la burocratización, no se puede olvidar que el Estado no es sólo un aparato burocrático-administrativo o represivo sino una relación de fuerzas social y, por consiguiente, la reforma del Estado debe acordar mucho mayor peso a los órganos de democracia directa, a los trabajadores que a la vez son consumidores, productores y constructores del socialismo y no meros súbditos ni objetos pasivos de resoluciones verticalistas. Además, una revolución, por definición, no es sinónimo de institucionalizar sino de renovar y democratizar profunda y totalmente las estructuras de poder permitiendo la expresión de la diferencia que existe en ese doble poder siempre latente entre la revolución (los trabajadores, en el sentido más amplio del término) y las importantes expresiones del capitalismo (como el aparato estatal, que pretende comandar al viejo modo).

Es, en mi opinión, muy grave que el documento para el próximo Congreso del Partido, aunque tenga como centro la reestructuración económica, no mencione a los trabajadores (ni siquiera a los sindicatos que, en el aparato estatal burocratizado, son la correa de transmisión de éste hacia aquéllos). En 32 páginas de texto la palabra “socialista” aparece, por otra parte, sólo tres veces y no hay ni una mención a la burocracia, su extensión y sus divisiones (que cualquier cubano ve como un problema grave), ni a la democracia de los productores, ni siquiera para explicar quiénes escogerán los que serán declarados “disponibles” (que suman nada menos que un 20 por ciento de la población económicamente activa). En cuanto a los órganos populares, democráticos, de control y de planificación, brillan simplemente por su ausencia.

Es igualmente grave el hecho de que este documento no esté acompañado por un texto del Partido sobre la fase actual de la economía mundial, la sociedad cubana, los peligros sociales y políticos de una apertura mucho mayor al mercado mundial y al mercado libre en la isla, las causas que impusieron estas medidas drásticas y de guerra (incluyendo entre ellas, autocríticamente, los errores del partido y del gobierno entre Congreso y Congreso y en los últimos 40 años) y que no se prepare al partido y a los trabajadores para los peligros que derivarán del reforzamiento de los sectores burgueses y de los valores capitalistas, ni se fijen perspectivas. Porque la brutalidad de la agresión imperialista y de la crisis mundial puede obligar, es cierto, a abandonar conquistas y a dar pasos atrás pero no hace obligatorio que se escondan los retrocesos y, menos aún, que se pinten los progresos igualitarios que se tienen que abandonar forzados por el mercado mundial como si hubiesen sido negativos. Pero sobre esto volveremos en los próximos artículos, analizando el texto que, para el Congreso del PCC, presentan la burocracia y la tecnocracia que controlan el Estado.


Cuba
Un documento peligroso y contradictorio (II)

¿Qué dice el documento presentado para el VI Congreso del Partido Comunista Cubano que debería realizarse en abril próximo? Trataré de resumir sus 32 páginas en este breve espacio.

El punto 17 declara que se tenderá a suprimir el funcionamiento económico regido por el presupuesto. El 19, que los ingresos de los trabajadores estatales dependerán de los resultados obtenidos por sus respectivas empresas (o sea, de la capacidad o incapacidad de los dirigentes y de los respectivos Ministerios y de lo lucrativo que pueda resultar su actividad desde el punto de vista del mercado). El punto 23 establece que cada empresa fijará los precios de sus productos y servicios y podrá ofrecer rebajas (lo cual abre el camino a la competencia feroz entre empresas y regiones y a toda clase de favoritismos y amiguismos); el 35, plantea la descentralización municipal de la producción, que estará sometida a los Consejos Administrativos Municipales (pero no establece ni quién elige ni quién controla a los mismos). El 44, dice que hay que reducir la expansión de los servicios, la cual dependerá de la marcha general de la economía; el 45, que habrá que reducir la importación de insumos y productos para la industria, pues la misma dependerá de la obtención de divisas. Entre las principales decisiones económicas, se dice que el vital problema de la circulación de dos monedas (el peso cubano y el CUC) pasará a ser estudiado y se decidirá cuando la marcha de la economía lo permita (la economía cubana, hay que recordar, está en crisis desde hace 30 años). Se declara además que se eliminarán los subsidios y las gratuidades, como norma, (o sea las políticas de sostén al consumo y a los sectores más pobres y que no reciben dólares del exterior ni pueden conseguirlos, legal o ilegalmente, en Cuba misma). Se formula de modo muy vago la necesidad y la esperanza de facilitar los créditos bancarios y el ahorro, así como también el objetivo de que los países beneficiarios paguen por lo menos los costos de la ayuda solidaria que brinda Cuba (lo cual no sólo transforma la solidaridad en servicio pagado sino que también choca con las posibilidades de los países que, como Haití, sufren desastres naturales o sanitarios de magnitud). Se crean también Zonas Especiales de Desarrollo (que, se supone, gozarán de reducciones o exenciones de impuestos o de privilegios a quienes allí se instalen). El punto 65 anuncia que el país pagará estrictamente la deuda (para conquistar la confianza de los inversionistas y obtener posibles préstamo,s lo cual hace suponer que esa – y no el sostenimiento de la economía interna y del nivel de vida de los cubanos- será la prioridad de las finanzas estatales). Al respecto se plantea reducir o eliminar los “gastos excesivos” en la esfera oficial (dejando la definición de qué es “excesivo” al arbitrio de los administradores). La cantidad de universitarios estará determinada además por el desempeño de la economía y las universidades sobre todo prepararán técnicos y profesionales en las ramas productivas y relacionadas con el mercado. El punto 142 establece que las condiciones que se creen para que los trabajadores puedan estudiar “deberán ser a cuenta del tiempo libre del trabajador y a partir de su esfuerzo personal (o sea, sin becas, licencias, estímulos, facilidades). El 158 decide ampliar el servicio por cuenta propia (sin especificar cómo facilitar la preparación del cuentapropista, la obtención de locales dada la crisis de la vivienda ni la provisión de insumos y herramientas). El 159 añade que se “desarrollarán procesos de disponibilidad laboral” (o sea, de reducción de las plantillas en forma drástica). Aunque el documento no lo establece, resoluciones complementarias dicen al respecto que el trabajador con 30 años de antigüedad en la empresa recibirá durante 5 meses un 60 por ciento de su salario una vez despedido y los que tengan menor antigüedad, un salario aún menor. El punto 161 habla sobre la necesidad de reducir las “gratuidades indebidas y los subsidios personales excesivos” (¿quién fijará qué es indebido y qué excesivo?). El 162 habla de “una eliminación ordenada” de la libreta de abastecimiento (que, según el texto, es utilizada también por quienes no la necesitan y “fomenta el mercado negro”). El punto 164 establece que los comedores obreros funcionarán a precios no subsidiados (sin compensación salarial alguna).El 169 independiza a las distintas formas de cooperativas (agrarias) de la intermediación y del control estatales. El 177 especifica que la formación del precio de la mayoría de los productos dependerá sólo de la oferta y la demanda. El 184 dice que las inversiones se concentrarán “en los productores más eficientes” (y no en las ramas de mayor utilidad social). El 230 anuncia que se revisarán, al alza, las tarifas eléctricas. Ni los cuentapropistas ni las cooperativas tendrán subsidios.. El 248 llama a implantar medidas para reducir el consumo de agua por los turistas, debido a la sequía (lo cual, dicho de paso, contrasta con el fomento al turismo- que utiliza piscinas, necesita jardines regados, combate el calor con duchas frecuentes- y con la decisión de hacer grandes campos de golf de 18 hoyos, que son voraces consumidores de agua)

No hay artículos que reduzcan los gastos en las fuerzas armadas ni de la alta burocracia. Las previsiones ecológicas (cultivo orgánico, desarrollo de las fuentes energéticas alternativas) dependen sólo de la responsabilidad del Estado (no prevén pues la participación popular en el territorio y además no van más allá del tipo de consumo y de producción fijados por el capitalismo, sin hacer de la crisis la ocasión para experimentar una producción y un consumo alternativos). Creo que el texto así resumido habla por sí solo y, por razones de espacio, dejo para el próximo artículo algunas conclusiones generales y la propuesta de otro tipo de soluciones


Cuba
Un documento peligroso y contradictorio (III y último)


En mis dos artículos anteriores (del 14 y del 21 de noviembre) expongo las características principales del texto que discutirá el VI Congreso del PC cubano y algunas opiniones al respecto. A ellos me remito, de modo que aquí me dedicaré a contraponerle una posible alternativa realista, democrática y socialista. Porque es cierto que el documento trata de “sincerar” la economía cubana eliminando cargas insoportables en la actual situación y de corregir graves errores voluntaristas del pasado. Pero lo hace con una concepción estrechamente local, nacionalista prescindente de toda perspectiva política mundial. Y de modo brutal, burocrático y no democrático, brusco y terriblemente tardío, forzado por la crisis y no voluntario, prepotente y sin la menor autocrítica. El texto ningunea igualmente las consecuencias sociales, políticas y morales de las medidas propuestas y la necesidad de comprenderlas y explicarlas y de aclarar que se tiene conciencia de ellas. Además, refuerza privilegios burocráticos y prepara las condiciones de base para una veloz polarización social y para la transformación de parte de la burocracia cubana en germen de burguesía local, incluso para la soldadura entre ella y el mercado mundial (y el imperialismo). No es casual que el documento no toque para nada los aparatos represivos y de la prensa partidaria, tan deficiente y tan de espaldas a la realidad, o sea a los principales instrumentos de dominación.

Durante veinte años Cuba para vivir (y sobrevivir al bloqueo) gastó más de lo que producía y vivió ligada al tubo de suero de la economía soviética que compensaba el faltante. Fidel Castro y Raúl, así como la inmensa mayoría de los dirigentes, hicieron de necesidad virtud porque estaban convencidos de que la Unión Soviética stalinizada sería eterna. El costo moral y político fue inmenso. Cuba apoyó la invasión de Checoslovaquia ya en 1968, Fidel elogió a Brezhnev diciendo que era un gran marxista, y la importación desde la Unión Soviética no se limitó a las armas y a la tecnología sino que también se extendió a la formación de los cuadros, a la imitación de la ideología, el modo de vivir y de resolver las cosas de los burócratas ineficientes, autoritarios y corruptos que estaban hundiendo los “países socialistas” y desprestigiando el socialismo. El país pudo, sí, elevar enormemente su nivel de cultura y de sanidad, pero no creó, debido a esa dependencia, una base industrial y una tecnología de punta salvo en medicina. Y el voluntarismo del mando provocó despìlfarros sin fin y llevó a la simulación del pleno empleo cubriendo una vasta capa de trabajadores improductivos y a la desvalorización del salario real, de la mercancía fuerza de trabajo. Ahora, cuando hay que enfrentar por fuerza la realidad de la economía, los mismos responsables del desastre no sólo no hacen una autocrítica sino que se aferran el timón y dejan que los náufragos se arreglen por su cuenta.

¿Qué impide que sean los mismos colectivos de trabajadores los que reduzcan los costos de la producción, la racionalicen, e incluso decidan dónde se harán los cortes de personal y las reducciones salariales? ¿Por qué dejar que sea el mercado el que decida los salarios mediante el lucro que obtenga la actividad económica en cuestión, de modo que, por ejemplo, un trabajador en un hotel gane mucho más que una enfermera o una maestra porque, por definición, los servicios esenciales son derechos, no negocios que deben ser pagados? ¿Por qué no reducir salarios y privilegios en los altos puestos del aparato estatal, civil o militar? No es posible mantener (con sumas irrisorias, para colmo, que no permiten un consumo digno) a millones de personas que no producen o producen muy poco pero eso es aplicable también a la alta burocracia, tan frondosa e improductiva. ¿Por qué no permitir comités barriales, vecinales, locales, de control de los privilegios, la corrupción, los despilfarros, el contrabando? ¿Por qué no abrir la prensa a la denuncia de las ineficiencias y abusos burocráticos y a la discusión sobre cómo hacer más barata y eficaz la distribución de los bienes escasos?

La participación popular es indispensable, ya que por el Mariel terminó de irse la mayoría de la burguesía cubana pero ahora, con las nuevas medidas, surgirá lo que Lenin, en la NEP, llamaba los sovietburg que, como la boliburguesía venezolana, serán como los rabanitos, rojos por fuera y blancos por dentro y tendrán su sustancia bajo tierra, bien escondida. Sólo los comités de base, los organismos de control popular, los consejos obreros, la autogestión social generalizada, pueden combatir eficazmente la crisis y el desarrollo de la desigualdad social, que se apoyarán en el inevitable reforzamiento del autoritarismo que resultará del bloqueo, sí, pero también de la necesidad de suplir el consenso que el gobierno está perdiendo junto con la esperanza en la construcción del socialismo que podía movilizar a la juventud.

Quien se opone a la democracia, no quiere el socialismo pues éste es imposible sin ella. Quien descarta la autogestión, la democracia obrera y social, el control popular, fomenta el poder desmoralizador y disgregador de la burocracia y de la tecnocracia, que se guían por valores propios del capitalismo, no del socialismo. Fue un error gravísimo estatizar el pequeño comercio, el artesanado. Eso se puede remediar, aunque tarde, fomentando la creación de cooperativas con ayuda crediticia y facilidades técnicas. Pero, para aliar al sector estatal con el sector cuentapropista orientada hacia y por el mercado y evitar que de éste surja una burguesía, hay que ofrecer apoyo técnico, hacer campaña cultural solidaria, reforzar la democracia directa, eliminar o reducir al máximo los aparatos y los mandamases.

El pueblo cubano se salvará por sí mismo. No necesita Salvadores Supremos ni en la Tierra ni en el Cielo. Lo que debe preparar el VI Congreso es una discusión amplia, en todos los sectores, sobre los problemas, las urgencias, las prioridades, los recursos disponibles y las soluciones posibles en el marco de la democracia y del socialismo. Sin que los cubanos tengan plena de conciencia de dónde está Cuba en el mundo y de cuáles son las perspectivas inmediatas, sin un balance autocrítico del pasado propio y del “socialismo real” y sin plena libertad de opinión y de crítica no será posible reconstruir la economía ni la confianza popular.

Como nasceu e como morreu o «Marxismo Ocidental»

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Texto de Domenico Losurdo que trata sobre as "democracias" ocidentais e suas relações com o mundo colonial.



Como nasceu e como morreu o «Marxismo Ocidental»

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19 Novembro 2010
Classificado em Internacional - Civilização ou Barbárie

imagemCrédito: ODiario.info


III Encontro Civilização ou Barbárie

Domenico Losurdo
Serpa 2010

Porque é que, depois de ter gozado de uma extraordinária fortuna nos anos sessenta e setenta, o marxismo caiu no Ocidente numa crise tão profunda? Vale a pena tomar como ponto de partida um debate de 1954 provocado por Norberto Bobbio. Este, embora justamente insistindo no carácter irrenunciável da liberdade «formal», conta a favor dos Estados socialistas o terem «iniciado uma nova fase de progresso civilizacional em países politicamente atrasados, introduzindo instituições tradicionalmente democráticas, de democracia formal como o sufrágio universal e a electividade dos cargos, e de democracia substancial como a colectivização dos instrumentos de produção». E, no entanto – é a conclusão crítica ¬– o novo «Estado socialista» ainda não foi capaz de transplantar para o seu seio o governo da lei e os mecanismos garantistas liberais, ainda não foi capaz de proceder à «limitação do poder» e deitar «uma gota de óleo [liberal] nas máquinas da revolução já realizada». Como se vê, estamos longe das posições assumidas pelo filósofo turinês na última fase da sua evolução, quando se torna em última análise um ideólogo da guerra do Ocidente: em 1954 são grandes a influência do marxismo e o prestígio dos países que dele se reclamam; neste momento, juntamente com a «democracia formal» Bobbio teoriza também uma «democracia substancial»; aliás, sobre os países socialistas exprime um juízo que não é univocamente negativo nem sequer no que respeita à «democracia formal».


Quais são as reacções dos intelectuais comunistas italianos? Para rejeitar ou atenuar as críticas dirigidas em primeiro lugar à União Soviética, como justificação parcial do atraso, eles poderiam ter aduzido o estado de excepção permanente imposto ao país nascido da revolução de Outubro e a ameaça de aniquilação nuclear que continuava a pairar sobre ele. Galvano della Volpe segue contudo uma estratégia absolutamente diferente, concentrando-se na celebração da libertas maior (o desenvolvimento concreto da individualidade garantido pelas condições materiais de vida). Assim, por um lado desvalorizam-se as garantias jurídicas do Estado de direito, implicitamente degradadas a libertas minor; e por outro, acaba-se por valorizar a transfiguração a que procede Bobbio da tradição liberal como campeã da causa do gozo universal pelo menos dos direitos civis, da liberdade formal. E contudo em 1954 ainda está de pé o sistema colonial e dentro do seu âmbito é claro que não se respeita nenhuma liberdade; nos próprios Estados Unidos os negros continuavam a ser largamente excluídos dos direitos políticos e, muitas vezes, até dos direitos civis (no Sul ainda não desaparecera o regime de segregação racial e de white supremacy). Todo empenhado na celebração da libertas maior, Della Volpe não se preocupa ou não é capaz de chamar a atenção para o clamoroso infortúnio de Bobbio.


O facto é que o marxismo ocidental daqueles anos se caracteriza largamente pelo menosprezo da questão colonial. Em 1961 Ernst Bloch publica Direito natural e dignidade humana. Como já emerge do título, estamos bem longe da desvalorização cara a Della Volpe da libertas minor; pelo contrário é explícita a reivindicação da herança da tradição liberal, submetida contudo a uma crítica que infelizmente mais parece uma transfiguração. Bloch censura ao liberalismo o propugnar uma «igualdade formal e apenas formal». E acrescenta: «Para se impor, o capitalismo só está interessado na realização de uma universalidade da regulamentação jurídica, que tudo abrange de modo igual».


Esta afirmação pode-se ler num livro cuja publicação é do mesmo ano em que em Paris a polícia desencadeia uma impiedosa caça aos argelinos, afogados no Sena ou mortos à bastonada; e tudo à luz do sol, aliás perante a presença de cidadãos franceses que, sob a protecção do governo da lei, assistem divertidos ao espectáculo: qual «igualdade formal»! Na própria capital de um país capitalista e liberal vemos em acção uma dupla legislação, que entrega ao arbítrio e ao terror policial um grupo étnico bem determinado. Se depois tomarmos em consideração as colónias e as semi-colónias e virarmos os olhos por exemplo para a Argélia ou para o Quénia ou para a Guatemala (um país formalmente livre mas de facto sob o protectorado estado-unidense), vemos o Estado dominante, capitalista e liberal, recorrer em grande escala e de modo sistemático às torturas, aos campos de concentração e às práticas genocidas contra os indígenas. De nada disto há sinais, nem em Bobbio, nem em Della Volpe nem em Bloch.


Contudo, é precisamente nestes anos que começa a desenvolver-se nos EUA a luta dos afro-americanos. É um assunto que atrai as atenções da China de Mao Zedong, e pode ser interessante comparar as tomadas de posição de duas personalidades tão diferentes entre si. Se Bloch denuncia o carácter meramente «formal» da igualdade liberal e capitalista, o dirigente comunista chinês procede de modo bem diferente. Certamente, sublinha que os negros sofrem uma taxa nitidamente mais alta de desemprego em relação aos brancos, são relegados para os segmentos inferiores do mercado do trabalho e obrigados a contentar-se com salários reduzidos. Mas não é tudo: Mao chama a atenção para a violência racista desencadeada pelas autoridades do Sul e pelos bandos por elas tolerados ou encorajados e celebra «a luta do povo negro americano contra a discriminação racial e pela liberdade e igualdade de direitos». Bloch critica a revolução burguesa pelo facto de ela «ter limitado a igualdade à política»; em referência aos afro-americanos, Mao recorda que «a maior parte deles está privada do direito de voto».


Ressoam tons análogos no Vietname, onde está em curso uma grande luta de libertação nacional dirigida por Ho Chi Minh, que já em 1920 tinha acusado a Terceira República francesa nestes termos: «A chamada justiça indochinesa tem lá dois pesos e duas medidas. Os anamitas não têm as mesmas garantias dos europeus e dos europeizados». Não só são «vergonhosamente oprimidos e explorados», como são também «horrivelmente martirizados» e sofrem «todas as atrocidades cometidas pelos bandidos do capital». Como se vê, nos textos aqui citados de Mao e Ho Chi Minh não existe nem a desvalorização cara a Della Volpe da libertas minor nem a ilusão (comum, com modalidades diferentes, a Bobbio, Della Volpe e Bloch), de que o capitalismo e o liberalismo apesar de tudo garantiriam a «igualdade formal» ou a própria «igualdade política». Como vemos, na denúncia das macroscópicas cláusulas de exclusão da liberdade liberal, o marxismo «oriental» empenha-se, compreensivelmente, bem mais do que o «ocidental».


Tornemos ao debate provocado por Bobbio em 1954. Há uma intervenção sensivelmente diferente da de Della Volpe. A polémica com o filósofo turinês agora desenvolveu-se assim: «Quando e em que medida foram aplicados aos povos coloniais os princípios liberais sobre os quais se disse estar assente o Estado inglês oitocentista, modelo, creio, do regime liberal perfeito para quem raciocina como Bobbio?». A verdade é que a «doutrina liberal […] assenta numa bárbara discriminação entre as criaturas humanas», que alastra não só nas colónias mas também na própria metrópole, como demonstra o caso dos negros estado-unidenses, «em tão grande parte privados de direitos elementares, discriminados e perseguidos». Nesta tomada de posição não há nenhuma degradação a libertas minor da «liberdade formal» mas, ao mesmo tempo, não se perde de vista o facto de que a negar o seu gozo a ilimitadas massas de homens tem sido historicamente o próprio Ocidente liberal. A intervenção que acabamos de ver deve-se a um autor hoje quase totalmente esquecido, mas que responde pelo nome de Palmiro Togliatti, à época secretário-geral do PCI.


2. Nos anos sessenta e setenta do século XX um equívoco de massa caracteriza na Europa e nos Estados Unidos a esquerda de orientação marxista: as grandes manifestações a favor do Vietname entrelaçam-se tranquilamente com a homenagem tributada a autores inclinados a considerar definitivamente superados os movimentos de libertação nacional. Em 1966, na Dialéctica negativa, Adorno liquida a tese hegeliana do «espírito do povo», ou seja, do carácter essencial da dimensão e da questão nacional, como «reaccionária» e regressiva, por estar afectada de «nacionalismo» e ser «provinciana na época de conflitos mundiais e do potencial de uma organização mundial do mundo». É’ uma tomada de posição que a posteriori tirava legitimidade à guerra conduzida pela Frente de Libertação Nacional da Argélia, um povo e um país indubiamente mais provincianos, mais atrasados e menos cosmopolitas que a França contra quem se tinham insurgido. Seja como for, Adorno colocava-se na impossibilidade de compreender as grandes lutas que mo entanto se iam desenrolando diante dos seus olhos, a começar pela guiada pela Frente de Libertação Nacional do Vietname.


De resto, vejamos como sobre este ponto argumenta o «marxismo oriental». Três anos após a publicação da Dialéctica negativa morre Ho Chi Minh. No seu Testamento, depois de ter chamado os seus concidadãos à «luta patriótica» e ao empenho «pela salvação da pátria», no plano pessoal traça este balanço: «Por toda a vida, de corpo e alma servi a pátria, servi a revolução, servi o povo». Por outro lado, já em 1960, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, assim evocou o dirigente vietnamita o seu percurso intelectual e político: «Ao princípio o que me impeliu a crer em Lénine e na Terceira Internacional foi o patriotismo, e não o comunismo». O que provocou grande emoção foram em primeiro lugar os apelos e os documentos que apoiavam e promoviam a luta de libertação dos povos coloniais, sublinhando o seu direito de se constituírem como Estados nacionais independentes: «As teses de Lénine [sobre a questão nacional e colonial] despertaram em mim uma grande comoção, um grande entusiasmo, uma grande fé, e ajudaram-me a ver claramente os problemas. Foi tão grande a minha alegria que até chorei». No que diz respeito a Mao, basta pensar na declaração que fez em 1949, nas vésperas da fundação da República Popular Chinesa: «A nossa nunca mais será uma nação sujeita ao insulto e à humilhação. Pusemo-nos de pé […] A era em que o povo chinês era considerado incivilizado terminou agora».


Bem se compreende o comportamento dos dois grandes revolucionários. Por detrás deles actua a lição de Lénine, que assim caracterizara o imperialismo: trata-se de um sistema em cujo âmbito algumas ditas «nações modelo» atribuem a si mesmas «o privilégio exclusivo da formação do Estado», negando-o aos povos das colónias; sim, «poucas nações eleitas» pretendem edificar o seu «bem-estar» e estabelecer o seu próprio primado na base do saque e da dominação do resto da humanidade. Mas nesses anos a homenagem a Ho Chi Minh ou a Mao ou a Fidel não estimulava de modo nenhum uma distanciação do niilismo nacional absorvido na escola do marxismo ocidental.


A razão profunda desta atitude contraditória será esclarecida de modo exemplar, uns decénios depois, por Hardt e Negri: «Da Índia à Argélia, de Cuba ao Vietname, o Estado é o presente envenenado da libertação nacional». Sim, os palestinos podem contar com a nossa simpatia; mas a partir do momento em que «se institucionalizarem», já não se pode estar do «lado deles». O facto é que «no momento em que a nação começa a formar-se e se torna um Estado soberano perdem-se as suas funções progressistas». Ou seja, só se pode simpatizar com os vietnamitas, com os palestinos ou com outros povos enquanto eles forem oprimidos e humilhados; só se pode apoiar uma luta de libertação nacional na medida em que ela não deixar de ser derrotada!


3. Neste clima espiritual e político, a cultura de orientação marxista começa a ser atraída e revirada do avesso por autores e correntes de pensamento que contudo deveriam ser vistos com uma certa distância critica. Irrompe em força Foucault com a sua análise da penetração ou da omnipresença do poder não só nas instituições e nas relações sociais mas já no dispositivo conceptual. É um discurso que fascina pelo seu radicalismo e que ainda por cima permite ajustar contas com o poder e a ideocracia como fundamento do «socialismo real», cuja crise se manifesta cada vez com maior nitidez. Na realidade, o radicalismo não só é aparente, como se vira no seu contrário. O gesto de condenação de todas as relações de poder, aliás, de todas as formas de poder quer no âmbito da sociedade que no discurso sobre a sociedade torna bastante problemática ou impossível a «negação determinada», a negação de um «conteúdo determinado» que, hegelianamente, é o pressuposto de uma real transformação da sociedade, o pressuposto da revolução. Para mais, este esforço de identificação e desmistificação do domínio em todas as suas formas revela lacunas surpreendentes justamente onde o domínio se manifesta em toda a sua brutalidade: sìm, bastante escassa ou inexistente é a atenção reservada à dominação colonial.


Pode-se ir mais longe: o colonialismo e a ideologia colonial estão largamente ausentes na história que Foucault reconstrói do mondo moderno e contemporâneo. A julgar por esta, a «aparição do racismo de Estado [deve-se situar] nos inícios do século XX». Quem tratou de pôr em causa esta cronologia foram com larguíssima antecipação os abolicionistas que já no século XIX queimavam na praça pública a Constituição americana, rotulada como um pacto com o diabo pelo facto de consagrar a escravatura racial. Se não na história dos Estados Unidos, Foucault poderia ter-se concentrado na história da Confederação secessionista ou da África do Sul, ou então poderia ter feito uma consideração de carácter geral: se analisarmos os países capitalistas juntamente com as colónias por eles possuídas, podemos facilmente dar-nos conta de que o fenómeno denunciado por Ho Chi Minh em relação à Indochina tem um carácter geral: estamos na presença de uma dupla legislação, uma para a raça dos conquistadores, e a outra para a raça dos conquistados. Neste sentido o Estado racial acompanha como uma sombra a história do colonialismo no seu conjunto; só que este fenómeno se apresenta com maior evidência nos Estados Unidos devido à contiguidade espacial em que vivem as diferentes raças. Aliás, quando em 1976 o autor francês se põe em busca de outra realidade para juntar ao Terceiro Reich sob a bandeira do «racismo de Estado», ele só consegue identificá-la na União Soviética, o país que desde a sua fundação desempenhava um papel decisivo em promover a emancipação dos povos coloniais e que em 1976 ainda estava em primeiro plano na denúncia da politica anti-negra conduzida pela África do Sul!


Tem-se observado que Foucault exerce uma considerável influência sobre Antonio Negri. Com efeito… Nos nossos dias, autorizados especialistas estado-unidenses de orientação liberal descrevem a história do seu país como a história de uma Herrenvolk democracy, isto é, de uma democracia válida só para o Herrenvolk (é significativo o recurso à linguagem cara a Hitler), para o «povo dos senhores» e que, por outro lado, não hesita em escravizar os negros e em eliminar os peles-vermelhas da face da terra. A Empire, em contrapartida, fala em tom compungido de uma «democracia americana» que rompe com a visão «transcendente» do poder, própria da tradição europeia.


Chegados a este ponto, proponho uma espécie de experiência intelectual ou, se quiserem, de jogo. Comparemos dois trechos de dois autores entre si sensivelmente diferentes, mas ambos empenhados em contrapor positivamente os Estados Unidos à Europa. O primeiro celebra «a experiência americana», sublinhando «a diferença entre uma nação concebida na liberdade e devota ao princípio de que todos os homens foram criados iguais e as nações do velho continente, que decerto não foram concebidas na liberdade».


E agora vejamos o segundo: «O que era a democracia americana senão uma democracia assente no êxodo, em valores afirmativos e não dialécticos, no pluralismo e na liberdade? Estes mesmos valores – juntamente com a ideia da nuova fronteira – não viriam alimentar constantemente o movimento expansivo do seu fundamento democrático, para além das abstracções da nação, da etnia e da religião? […] Quando Hannah Arendt escrevia que a Revolução americana era superior à francesa dado que a Revolução americana se devia entender como uma busca sem fim da liberdade política, enquanto a Revolução francesa tinha sido uma luta limitada em torno da escassez e da desigualdade, exaltava um ideal de liberdade que os europeus haviam perdido mas que fariam ganhar terreno nos Estados Unidos».


Qual dos dois trechos aqui citados é mais apologético? É difícil dizê-lo, embora o segundo pareça mais inspirado e mais lírico: deve-se à pluma de Negri (e de Hardt), enquanto o primeiro é de Leo Strauss, o autor de referência dos neoconservadores americanos!


Fonte: http://www.odiario.info/?p=1812

A Democracia de 2010

domingo, 14 de novembro de 2010

A DEMOCRACIA DE 2010


O Brasil passou por um momento importante no último fim de semana. Após uma jornada de meses, escolheu um novo nome para o cargo mais alto da república. Dilma Rousseff foi eleita a primeira mulher a comandar o executivo nacional.


O caráter dessa inovação no cenário político pode nos trazer a idéia de que vivemos um novo momento. Parece mesmo que o país consolida sua democracia. Saímos de um presidente metalúrgico, para uma mulher no poder. Parece que estamos em uma época inédita na história tupiniquim. Algo análogo ao presidente negro estadounidense. Será real esse avanço?


Gostaria apenas de apresentar comentários muito breves acerca de todo o processo. E, talvez como García Marques, contaria o final no início. Não mudou nada. Estamos vendo a “crônica de um governo anunciado”. Ele não me parece representar qualquer avanço democrático de fato. E não sou do time que acha que é melhor não avançar do que retroceder, como alguns petistas (e mesmo correntes políticas da esquerda da qual, acredito, esses últimos, em conjunto, não fazem parte).


Penso que a questão nodal foi a caracterização da democracia utilizada pelas candidaturas majoritárias durante toda a campanha. Em verdade, como se pode lembrar facilmente, todos esses candidatos defenderam a “democracia”. Pelo menos, em suas palavras. E, entre PSDB e PT (para restringir, aqui, ao segundo turno), não demonstraram quaisquer diferenças essenciais em suas formas de compreender esse tal conceito.


Não sou eleitor do PT e muito menos simpatizante. Mas é preciso admitir que, nesse ponto, a candidatura de Dilma contou com mais coerência. O PSDB, tendo perdido seu local de opção exclusiva da direita para os cargos do Executivo, regrediu a formas de discurso incrivelmente retrógradas para poder costurar uma possibilidade de disputa com os lulistas. Quando ambos os partidos são adeptos das privatizações, da assistência social focada no critério de vulnerabilidade e não universalizada, do predomínio da iniciativa privada sobre os serviços públicos etc., não há mesmo outro jeito de se diferenciar e disputar votos.


A epifania da disputa pelo cargo de “defensores da democracia” ocorreu após a declaração de Lula de que iria vencer o “partido da mídia”. PSDB-DEM fizeram o maior escarcéu contra o “ataque à liberdade de imprensa”. Eu peço perdão pelo termo escarcéu, mas é o mais respeitoso a ser utilizado para tal atitude. A vontade mesmo era de dizer: xilique. Em um simples piscar de olhos, o Lula virou algo tão grotesco quanto os censores do regime militar de décadas atrás. E o piscar de olhos também foi o tempo necessário para a direita tradicional esquecer completamente as declarações com teor muito similar de Serra sobre os “blogues sujos” que declaravam apoio ao partido do Governo. Da mesma forma, não foram poucos dentre seus apoiadores que mantiveram a mesma atitude de Lula frente a veículos como a Carta Capital, por exemplo. O presidenciável do PSDB não queria vencer eleitoralmente tais mídias?


Convenhamos, nisso é necessário ficar do lado do Lula. A idéia de que partidos precisam ter registro no Tribunal Eleitoral para assim serem denominados é bastante simplista. Os jornais interferem diretamente na formação de opinião pública e, consequentemente, nos atos de seus receptores. Eles tomam deliberadamente parte, escolhem um lado na disputa política, seja ela declarada ou não. O conceito aqui é amplo. Abarca, então, os instrumentos privados de hegemonia. Isso porque o critério para defini-lo é seu projeto de classe, e não as letrinhas que vêm depois do “P”.


E essa é a principal questão da disputa de 2010. Quais os projetos de classe em embate? E se por um lado ficamos com Lula na questão da imprensa, por outro, Serra se cobre de razão ao dizer o seguinte: o PT deu continuidade a FHC. A política neoliberal foi mantida impecavelmente, houve privatizações, ao contrário do que dizem os petistas, houve sucateamento do serviço público, ao contrário do que dizem os petistas, houve ataque ao funcionalismo, ao contrário do que dizem os petistas, houve uma política de juros estratosféricos e superávit primário, ao contrário, sempre, do que dizem os petistas. Há uma longa lista de caracteres que poderia ser utilizada. Não é o objetivo aqui.


A redução da eleição a um plebiscito não foi uma decisão unicamente do governo que está por acabar. Ela foi a decorrência lógica do processo de maturação da “democracia” que se estabeleceu no país. Aliás, entender 2010 como um grande plebiscito é até inflar o ego do pleito. A disputa não se colocava entre projetos antagônicos. Não era um “sim” ou um “não”. Era apenas um “esse ou aquele”. Duas partes da elite econômica disputando a melhor maneira de reproduzir o capital. Dois empregados brigando pelo cargo de gerência.


O que fica por trás de todo o discurso em defesa da democracia dos candidatos majoritários é o conteúdo que eles dão a esse conceito. Defendem, na verdade, uma “democracia” formalizada, autonomizada, que pode funcionar “muito bem obrigado”, sem o povo. E, a bem da verdade, contra o povo. O Estado Democrático e suas instituições se colocam enquanto uma forma alienada, separada, estranha, à intervenção popular. O voto se resume ao direito que as pessoas têm de escolheres entre os candidatos que atendem aos requisitos formais já pré-estabelecidos e pró-ordem.


Não é a toa que a candidatura de Plínio serviu apenas para fazer um pequeníssimo reboliço no pleito. Nada mais. Com acesso aos debates eleitorais, mas vetado da mídia, sem qualquer possibilidade de um financiamento sequer equiparado às candidaturas majoritária, com um tempo de programa eleitoral muito reduzido, não se podia fazer muito mais. E nem se fale, quanto a isso, das outras candidaturas de esquerda que sequer chegavam ao debate, em condições bem mais desvantajosas.


A construção de uma verdadeira democracia é concomitante à construção de uma outra sociedade. Ter o mercado como mediador primordial da vida humana é o que nos afasta de uma possibilidade real de autogestão. Lutar por democracia real, hoje, significa lutar pelo poder dos trabalhadores, aqueles quer realmente têm interesse em uma transformação radical da sociedade. Aqueles que, enfim, possuem interesse em tomar para si o poder político e destruir seus privilégios. Significa lutar pelo socialismo e contra a farsa da democracia burguesa.