Seminário: “O limite da propriedade fundiária e a função social da terra no Brasil”

domingo, 29 de agosto de 2010

Seminário: O limite da propriedade fundiária e a função social da terra no Brasil”

30 e 31 de agosto de 2010

Programação:
30/08/10
MANHÃ
8:30 às 9:30hs- Raízes históricas da propriedade privada da terra no Brasil
Profº Ms. Fabiano Duarte ( IFALl)
9:30 Debate
10:00 às 11:00hs- Desenvolvimento agrário e transformação social no Brasil
Profº Ms Adriano Nascimento
11:30 Debate
NOITE:
19:00 às 21:30 : Exibição do documentário “Tabuleiro de Cana.”
Profa Ms. Elaine Nunes Silva Fernandes

31/08/2010
MANHÃ:
8:30 as 9:30- Origem da concentração fundiária em Alagoas
Profº Drº Golbery Lessa
9:30 Debate

10:00 às 11:00- A luta pela terra em Alagoas-
Carlos Lima ( Coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Alagoas)
11:30 Debate
NOITE:
19: 00 as 21:30: Plebiscito sobre o limite da propriedade privada da terra no Brasil
Prof. Ms. Cícero Albuquerque.
LOCAL: Auditório do CESAU.
Promoção: Centro Acadêmico Rosa Luxemburgo e Professora de Movimentos Sociais da Faculdade de Serviço Social Elaine Nunes Silva Fernandes

Saiba o que é o capitalismo. Por Atilio Boron

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Saiba o que é o capitalismo

Escrito por Atilio A. Boron 14-Mai-2010

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/4635/9/

O capitalismo tem legiões de apologistas. Muitos o são de boa fé, produto de sua ignorância e pelo fato de que, como dizia Marx, o sistema é opaco e sua natureza exploradora e predatória não é evidente aos olhos de mulheres e homens. Outros o defendem porque são seus grandes beneficiários e amealham enormes fortunas graças às suas injustiças e iniqüidades. Há ainda outros (‘gurus’ financeiros, ‘opinólogos’ e ‘jornalistas especializados’, acadêmicos ‘pensantes’ e os diversos expoentes desse "pensamento único") que conhecem perfeitamente bem os custos sociais que o sistema impõe em termos de degradação humana e ambiental. Mas esses são muito bem pagos para enganar as pessoas e prosseguem incansavelmente com seu trabalho. Eles sabem muito bem, aprenderam muito bem, que a "batalha de idéias" para a qual nos convocou Fidel é absolutamente estratégica para a preservação do sistema, e não aplacam seus esforços.

Para contra-atacar a proliferação de versões idílicas acerca do capitalismo e sua capacidade de promover o bem-estar geral, examinemos alguns dados obtidos de documentos oficiais do sistema das Nações Unidas. Isso é extremamente didático quando se escuta, ainda mais no contexto da crise atual, que a solução dos problemas do capitalismo se consegue com mais capitalismo; ou que o G-20, o FMI, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial, arrependidos de seus erros passados, poderão resolver os problemas que asfixiam a humanidade. Todas essas instituições são incorrigíveis e irreformáveis, e qualquer esperança de mudança não é nada mais que ilusão. Seguem propondo o mesmo, mas com um discurso diferente e uma estratégia de "relações públicas" desenhada para ocultar suas verdadeiras intenções. Quem tiver duvidas, olhe o que estão propondo para "solucionar" a crise na Grécia: as mesmas receitas que aplicaram e continuam aplicando na América Latina e na África desde os anos 80!

A seguir, alguns dados (com suas respectivas fontes) recentemente sistematizados pelo CROP, o Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza, radicado na Universidade de Bergen, Noruega. O CROP está fazendo um grande esforço para, desde uma perspectiva crítica, combater o discurso oficial sobre a pobreza, elaborado há mais de 30 anos pelo Banco Mundial e reproduzido incansavelmente pelos grandes meios de comunicação, autoridades governamentais, acadêmicos e "especialistas" vários.

População mundial: 6.800 bilhões, dos quais...

1,020 bilhão são desnutridos crônicos (FAO, 2009)

2 bilhões não possuem acesso a medicamentos (http://www.fic.nih.gov/)

884 milhões não têm acesso à água potável (OMS/UNICEF, 2008)

924 milhões estão "sem teto" ou em moradias precárias (UN Habitat, 2003)

1,6 bilhão não têm eletricidade (UN HABITAT, "Urban Energy")

2,5 bilhões não têm sistemas de drenagens ou saneamento (OMS/UNICEF, 2008)

774 milhões de adultos são analfabetos (http://www.uis.unesco.org/)

18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria de crianças menores de 5 anos (OMS).

218 milhões de crianças, entre 5 e 17 anos, trabalham precariamente em condições de escravidão e em tarefas perigosas ou humilhantes, como soldados, prostitutas, serventes, na agricultura, na construção ou indústria têxtil (OIT: A eliminação do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, 2006).

Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação na renda global de 1,16% para 0,92%, enquanto os opulentos 10% mais ricos acrescentaram mais às suas fortunas, passando de dispor de 64,7% para 71,1% da riqueza mundial. O enriquecimento de uns poucos tem como seu reverso o empobrecimento de muitos.

Somente esse 6,4% de aumento da riqueza dos mais ricos seria suficiente para duplicar a renda de 70% da população mundial, salvando inumeráveis vidas e reduzindo as penúrias e sofrimentos dos mais pobres. Entenda-se bem: tal coisa se conseguiria se simplesmente fosse possível redistribuir o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002 dos 10% mais ricos. Mas nem sequer algo tão elementar como isso é aceitável para as classes dominantes do capitalismo mundial.

Conclusão: se não se combate a pobreza (que nem se fale de erradicá-la sob o capitalismo) é porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e a desigualdade sócio-econômica.

Depois de cinco séculos de existência eis o que o capitalismo tem a oferecer. O que estamos esperando para mudar o sistema? Se a humanidade tem futuro, será claramente socialista. Com o capitalismo, em compensação, não haverá futuro para ninguém. Nem para os ricos e nem para os pobres. A frase de Friedrich Engels e também de Rosa Luxemburgo, "socialismo ou barbárie", é hoje mais atual e vigente do que nunca. Nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro e seu motor é a ganância. Mas cedo que tarde provoca a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e uma crise moral. Ainda temos tempo, mas já não tanto.

Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.  

Website: http://www.atilioboron.com/.

Traduzido por Gabriel Brito, jornalista.

É Proibido Partir

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

É Proibido Partir!

O público do cinema pôde assistir, nos meses entre o segundo semestre de 2009 e o primeiro de 2010, dois filmes interessantes e que, em diversos aspectos se assemelham. Trata-se do paulistano É Proibido Fumar de Anna Muylaert, com Glória Pires e Paulo Miklos; e do francês Partir, da diretora Catherine Corsini.

Os filmes possuem uma longa gama de proximidades entre si. Para começar, ambos são produções independentes e de baixo orçamento. Para além disto, a temática dos filmes é, em termos gerais, a mesma: relacionamento e fidelidade. Seria interessante, no entanto, prestar um pouco mais de atenção para a maneira como cada qual trata da referida questão. Esta dessemelhança encontra-se na perspectiva sob a qual cada diretora representou o seu objeto. Trata-se de uma tomada de posição, frente ao que se representa que é diferente, e mesmo oposta, em cada um dos filmes e os faz apontar para perspectivas diametralmente díspares, apesar de todas as equivalências que ambos os enredos apresentam.

A tomada de posição de um artista é um elemento de máxima importância. Lukács (filósofo húngaro) ressalta que ela está absolutamente ligada à questão da originalidade da obra. A arte representa o humano. Na verdade, representa a realidade humanizada (antropomorfizada). Como se comporta cada objeto em sua relação com os seres humanos sempre submetidos às suas determinações reais, à sua “vida real”, particularizada em determinadas circunstâncias sócio-históricas, de tempo e de espaço etc. Ainda que ela não se resuma ao mero reflexo mecânico, sua atividade caracteriza-se pela representação das tendências efetivas, das questões candentes, das reais preocupações do gênero humano no momento em que a obra é produzida.

Nota-se, portanto, que os critérios para que uma determinada peça de arte seja avaliada são dados pela própria realidade. E esta é uma realidade dinâmica. Trata-se de perceber que o velho e o novo costumam conviver e chocar-se constantemente no tráfico social. Daí a relação com a originalidade. Original é o artista que opta por posicionar-se a favor do que é novo na realidade sócio-histórica. Esta tomada de posição pela representação do velho ou do novo, conscientemente ou não, está presente em qualquer mínima expressão artística. Do menor soneto, à maior sinfonia. Do conto literário ao longa-metragem. É rigorosamente impossível que uma obra de arte não demonstre uma postura, uma parcialidade, frente às questões que ela representa. Consequentemente, torna-se de extremo equívoco analisar uma obra sem que se faça, ao mesmo tempo, uma discussão acerca de sua tomada de posicionamento e, desta maneira, sobre sua originalidade. Guardemos em mente este critério.

É Proibido Fumar conta, assim como o seu semelhante, uma história simples. Baby, a protagonista (interpretada por Glória Pires), é uma professora de violão que vive em um pequeno apartamento de São Paulo onde recebe seus alunos. As primeira cenas do filme demonstram a condição de isolamento à qual está submetida. Apesar das constantes visitas de estudantes de violão, o verdadeiro companheiro de Baby é o cigarro e, a esta altura, seu grande objetivo é conseguir de volta um sofá de sua tia que acabou indo parar nas mãos de uma de suas irmãs (Marisa Orth).

Esta perspectiva muda com a chegada de um novo vizinho em seu andar. Max (Paulo Miklos) é músico, toca em bares e restaurantes profissionalmente. Ele carrega uma personalidade consideravelmente diferente da de Baby. Despojado, alegre, com uma boa pitada de malandragem, Max é apresentado como sendo do tipo “que vai levando”. Não tem muito dinheiro, mas não é o que ele quer, desde que consegue o suficiente para sustentar seu modo de vida simples ele continua sem grandes pretensões.

Os dois iniciam um relacionamento que se pode caracterizar como terno. Durante as cenas em que é apresenta a nova rotina dos dois, é possível perceber que Baby cede muito mais de sua personalidade do que Max. Um detalhe menor, em relação ao que se discute aqui, mas não desimportante. A maior amostra disto é que a personagem de Glória Pires passa a empreender uma cruzada contra seu vício à nicotina por uma simples reclamação advinda do parceiro.

A questão vem a se complicar no momento em que Baby passa a suspeitar que Max continua envolvido com uma antiga amante. Uma garota (modelo de mãos para comerciais de TV) que, no enredo, é mais atraente do que a professora de violão paulistana, é a antiga esposa do músico. Ele, por sua vez, não consegue se desvencilhar dela, inclusive, emocionalmente. Max chega mesmo a descrever entusiasticamente a antiga amante e seu relacionamento para a nova namorada, sempre relacionando à primeira adjetivos que ressaltam o quão era satisfeito com seu romance anterior.

Considerável parte do filme é gasta demonstrando como Baby passa a se comportar frente à situação. Por diversas vezes apresenta-se como ela busca colocar Max “sob as rédeas”. Baby é ciumenta e o filme deixa isto muito bem claro. Mais. Não fica apenas evidente para o espectador o ciúmes da personagem. Este sentimento e o comportamento que dele deriva são apresentados ao público de forma absolutamente simpática. Como se dá isto?

O filme foca-se em Baby. Apresenta, em todos os momentos, as suspeitas que ela possui sobre Max como absolutamente justificadas. Para o público, os exageros que a professora comete para vigiar seu parceiro (como fazer um furo na parede de seu apartamento com o objetivo de observar o vizinho) são todos aceitáveis. Max, afinal de contas, não é “flor que se cheire”. Desde o início do filme sabemos que ele se comporta como malandro, que não está tão dedicado ao relacionamento quanto a parceira. Pior! Acima de tudo ele mente para a namorada, enquanto todo o público sabe que ele a trai.

Nesta situação, o público é compelido a simpatizar, do início ao fim, com a posição de Baby. Ora, é evidente que ela está sendo enganada. Que Max não leva honestamente o relacionamento. Que, enfim, a traição, a falta de fidelidade, é algo que justifica todas as atitudes ciumentas da personagem de Glória Pires. Ela está, definitivamente, com a razão. Max, por sua vez, é, para usar os versos de Sérgio Sampaio, “feio, desidratado e infiel”, um “velho bandido”. No cinema é possível, ao se prestar atenção ao público em volta, inclusive, perceber manifestações de apoio e simpatia à Baby e repúdio às temíveis atitudes de Max.

No fim, por um acidente, Baby acaba assassinando a amante de seu namorado. Por mais surpresa que isto cause ao público, a cena não é passada como uma “vilania” da professora. Pelo contrário, a amante, além de tudo, é representa como uma pessoa arrogante, esnobe, em uma palavra: intragável. Pode até parecer maldade do espectador, mas a impressão que fica em qualquer um que assiste ao filme é de que a amante “mereceu” o destino. Tanto é assim, que após isto, o relacionamento de Baby e Max aparece, ao término do filme, com um final feliz, mesmo, ao que tudo indica, tendo o músico descoberto a verdade sobre a morte de sua amante. Tudo bem. Ela teve que morrer para que o amor entre os protagonistas pudesse aflorar de verdade. E, agora, não há mais problemas.

Passemos a um breve relato do Partir de Catherine Corsini. O filme, como já dissemos, guarda uma gama interessante de semelhanças. Vamos nos reportar, especialmente, a elas.

Suzanne (Kristin Scott Thomas), é uma mulher de meia idade (tal qual Baby). Em torno dos seus quarenta anos, é fisioterapeuta e casada com o médico bem sucedido Samuel (Yvan Attal). Pode-se perceber que representam a família dos sonhos. Uma boa casa, filhos, boa renda etc. Não haveria, de fato, do que reclamar.

A fisioterapeuta, contudo, encontra-se, em mais uma semelhança com Baby, isolada. Sua vida tornou-se um apêndice da vida da família. Dona de casa, a sua rotina é dedicar-se inteiramente à família, o que, apesar de não a deixar absolutamente incomodada, não a satisfaz completamente. Ela aposta num retorno ao exercício da profissão para dar uma nova cara ao seu cotidiano.

O marido não se nega a apoiar o projeto. Desde o início, contudo, é apresentado ao público como ele não faz questão de entender a motivação real de Suzanne. Para Samuel, o desejo de voltar a trabalhar da esposa, em um contexto em que ele pode satisfazer todas as necessidades financeiras da família e muito mais, não pode ser entendido de maneira diferente do que como um “capricho”. E um capricho que está custando uma quantia de dinheiro que, se não é completamente comprometedora para o médico, é, no mínimo, incômoda para a ser gasta desta forma.

Quando a mulher declara que deseja voltar a trabalhar o médico planeja a construção do consultória fisioterapêutico da esposa dentro da própria área da casa da família. Suzanne não terá que se deslocar para exercer seu labor. Contudo, é notável que a disposição do marido em ajudar ela a afastar-se dos afazeres meramente domésticos vai só até as fronteiras com os vizinhos. O papel de apêndice de Suzanne será mantido, mas com uma área ampliada. Ela terá um consultório e, novamente, “nada a reclamar”.

Durante as reformas que darão ensejo ao novo local de trabalho, Ivan, operário, ex-presidiário e estrangeiro (espanhol), irá trabalhar na casa da família. Ele é um dos pedreiros contratados, em regime informal, diga-se de passagem, por Samuel para atender aos caprichos de Suzanne. O filme inteiro dá uma reviravolta quando o trabalhador sofre um acidente enquanto ajuda a mulher.

Sem poder trabalhar, Ivan recebe ajuda de Suzanne. Em certa altura, ela o leva em uma viagem à Espanha, para uma visita da filha do empregado. Samuel, desde o início demonstra suas atitudes possessivas sobre a esposa, desaprovando completamente, e tratando de maneira desdenhosa da compaixão da mulher pelo pedreiro. E, de fato, a visita ao país ibérico acaba sendo o momento em que o filme toma completamente um novo rumo, pois durante seu decorrer Suzanne e Ivan descobrir-se-ão apaixonados e iniciarão um affair.

A partir daqui, as dessemelhanças com É Proibido Fumar passam a falar mais alto. Suzanne é a responsável pela infidelidade. A culpada pela desestruturação do casamento. Não se pode dizer que o marido, neste quesito, tem culpa, pelo menos, ativa destes resultados. Suzanne traiu. Ela comete o adultério e o leva à frente de forma absolutamente inconsequente como o filme virá a demonstrar. No entanto, ao mesmo tempo, a simpatia do público procura ser despertada para a mulher e para seu relacionamento com Ivan de inúmeras formas.

Em primeiro lugar, Suzanne não é apresentada como completamente desonesta. Ela conta a verdade a Samuel, admite suas atitudes como um erro e promete sinceramente deixar a situação para trás e voltar para a sua família. O marido, por sua vez, é apresentado de forma a perder a companhia dos espectadores. Ele perdoa a esposa, mas muito mais para manter as aparências de um relacionamento e seus sentimentos possessivos do que por compreender Suzanne.

A situação continua instável. Logo a mulher voltará a se encontrar com Ivan, e permanecerá tendo um caso adúltero. O marido descobre novamente. Suzanne, contudo, mais uma vez, não age de maneira desonesta. Pede o divórcio e declara que está deixando a casa do marido para viver o novo romance. A trama que se desenvolve a partir daí é sem dúvidas especial, um traço de peculiaridade bastante marcante do filme.

Samuel passa a perseguir os dois amantes e a transformar a já difícil vida de ambos (lembremos que Ivan é um proletário desempregado e Suzanne uma fisioterapeuta sem consultório) em um inferno. Com seus contatos, o médico impede que o espanhol consiga empregos, forçando-o a buscar funções cada vez mais precarizadas, com menores salários, menos direitos etc. O mesmo reflete a situação de Suzanne. Ela passa a buscar empregos completamente afastados de sua antiga posição social. É um momento em que a película demonstra, de forma singela, as marcas de uma sociedade de classes no amor. Algo realmente particular, apesar de acontecer de maneira bastante tangencial. A ausência deste rico detalhe, contudo, não comprometeria a obra.

Ivan, vendo a situação de penúria que ele, sua nova esposa e sua filha passam a viver, acaba por aceitar um plano audacioso de Suzanne. Esta, que tendo vivido durante décadas sob a sombra do marido, não possuía posses próprias, tendo, inclusive, sua conta bancária bloqueada por aquele. Além disso, como adúltera, sequer poderia confiar-se na possibilidade de uma justa divisão de bens em um processo litigioso de divórcio. Sucumbe, então, à idéia do cometimento de um crime. Ela resolve fazer, por si só, a divisão de bens e convence a Ivan ao arrombamento e roubo da mansão de Samuel. O resultado é que o espanhol acabará caindo nas garras da justiça, sendo injustamente identificado como o único culpado do crime, enquanto Suzanne é forçada, pelas circunstâncias, a voltar para o marido.

Seguidamente, a fisioterapeuta convence Samuel a intervir pela soltura de Ivan, confessando seu crime e, digamos, reconstituindo seus votos de fidelidade. Ivan é posto em liberdade mais uma vez, enquanto Suzanne volta a viver com o médico. Mas a situação irá levar a um final diferente do matrimônio. A pressão do retorno, da perda de sua liberdade de amar, de sua própria vida, enfim, levará Suzanne a um último ato de desespero. Ela assassina Samuel enquanto este dorme e foge, terminando o filme nos braços do operário, ficando para o público a impressão de que, posteriormente, seria presa e condenada.

Como se vê, ambos os filmes contam a história de relacionamentos e, respectivamente, de quebra dos votos de fidelidade implícitos (no caso de um namoro como de Max e Baby) ou explícitos (como no casamento de Suzanne e Samuel). A diferença entre ambos é, contudo, muito mais marcante. No paulistano É Proibido Fumar, toda a história é contada da ótica de Baby, o que faz com que o público entenda suas razões e, se não simpatize completamente, não a condene. O ciúmes da personagem de Glória Pires é absolutamente tido como aceitável. E toda a pressão que ela vem a exercer sobre Max, a sua vigilância exagerada e mesmo o fato de que ela assassina a amante do namorado são relevados, pois é indubitavelmente justo que ela cobre a fidelidade do músico. A fidelidade é o valor principal da história e ela é contada sob esta perspectiva.

No caso de Partir, as relações afetivas são colocadas sob a ótica oposta. Para começar, a protagonista não é traída, ela trai. Ela comete o “pecado original” do filme. No entanto, ao invés de demonstrar como o marido está correto em exercer sobre ela uma vigilância cada vez mais acentuada (como no caso de Baby), o filme toma a opção de demonstrar, cada vez mais como a esposa tem o direito de deixá-lo. Em um tom a la Chico Buarque, Partir diz “te desculpo por te trair”. O casamento é apresentado como o motivo mór de sofrimento de Suzanne. Mais, ele é a completa antítese do seu direito de amar. Ele não serve ao amor. Por isto, o público, ainda que sinta-se incapaz das mesmas posturas, não é forçado a julgar como injustiça as suas atitudes. Nem seu caso adúltero, nem a invasão da mansão de Samuel, nem mesmo o assassinato do marido. O valor principal é o amor exercido livremente. A fidelidade é submetida à ele, ela é o apêndice.

Na primeira película, o erro parte de quem trai. Max é apresentado, como já dito, como o responsável pela desestabilização da harmonia entre os personagens. Tudo iria bem não fossem seus ímpetos injustificáveis. O público é levado a não respeitá-lo. No segundo filme, Suzanne é a responsável por esta desestabilização inequivocamente. Mas, ao contrário de É Proibido Fumar, a traição não é apresentada como uma “malandragem”, mas como o reencontro com a satisfação afetiva da personagem.

E as histórias distanciar-se-ão na representação destes aspectos em inúmeros detalhes. Dentre eles, um chama particular atenção: a forma como é refletido o sexo. Em É Proibido Fumar as cenas de sexo são, claramente evitadas. A produção do filme chegou a considerar que cenas de nudez seriam “constrangedoras. Prefere, portanto, o moralismo à demonstração de como o ato sexual é cotidiano em uma relação afetiva qualquer. Partir é, neste caso, visivelmente diferente. As cenas de sexo são especialmente despudoradas, ou “constrangedoras” nas palavras de Muylaert. Não significa, isto que são de mau gosto, ou que dêem uma sensação de serem desnecessárias ao filme. Pelo contrário. As cenas de sexo são inteligentemente utilizadas na película para demonstrar a diferença entre os relacionamentos em que Suzanne está envolvida. Com Samuel, o coito torna-se incômodo, forçado, violento. Um estupro, ainda que não em sentido criminal. Com Ivan, a personagem pode experimentar o seu corpo e o êxtase do ato sexual. Ela o faz livremente, libidinosamente. Ela o deseja. Enquanto Muylaert prefere o pudor, escondendo-se atrás de um suposto “bom gosto” bem comportado, Corsini não teve problemas em quebrar este tabu. Ela apresenta o prazer sexual feminino. E melhor, com um homem que não é o seu marido. É um verdadeiro escândalo se comparado com É Proibido Fumar.

Por fim, a culminante semelhança-dessemelhança das obras. O assassinato do elemento que obstaculiza o relacionamento. Baby mata a amante de Max, para viver feliz com ele. Suzanne comete o homicídio de seu marido, mesmo sabendo que, com isto, não poderá aproveitar o amor de Ivan. O fato de que a primeira morte é causada em um acidente pouco importa. A saída é a mesma nos dois filmes.

Contudo, quando a ex-mulher de Max morre, o que falece é parte da realização afetiva do personagem. Pois é evidente que ele ainda possuía este tipo de laços com a amante. Sua realização afetiva plena é assassinada concomitantemente. No entanto, isto é apresentado como necessário para o final feliz. Como o necessário para fim do conflito em que a história se enredou. Quando Samuel leva um tiro, em Partir, o que morre é, definitivamente, o obstáculo da realização afetiva de Suzanne e Ivan. O homem que os impedia, por todos os meios ao seu alcance, que pudessem amar um ao outro.

Partir é concluído com um tiro de escopeta na fidelidade, no casamento, no ciúmes, na possessividade. É Proibido Fumar termina com o atropelamento da plena realização do amor. Max poderá viver em paz pois o relacionamento que o satisfaria não é possível nos moldes estreitos que seu filme apresenta. Suzanne, por sua vez, não poderá viver em paz. Será provavelmente condenada por seu crime. Ainda que o seu crime verdadeiro seja não amar Samuel. Com isto, Partir é uma denúncia sutil dos limites nos quais o amor é encarcerado no mundo atual. O casamento, a lei, a propriedade etc. Todos eles são questionados por Corsini, mesmo que ela não precise declarar isto. Daí a explicação óbvia, para o público, na angústia inicial de Suzanne, de sua desesperança quanto às chances de um divórcio que a desse condições de continuar sua vida, da impossibilidade de viver tranquilamente com Ivan longe da dependência de seu marido.

Partir escolheu representar, fielmente, o drama de uma mulher encarcerada pelo matrimônio, pela monogamia, pelo fato de ter se tornado o apêndice do sonho de sucesso da sociedade contemporânea: bom marido, bons filhos, boa renda, boa casa etc. Ele é uma negação da forma de realização afetiva atual, e, de quebra, de suas bases mais profundas. E apenas superando-as, Suzanne poderia ser feliz. É Proibido Fumar resolveu, quase de forma novelesca, renovar, pela via leve e irreverente de uma comédia, os velhos valores de como devem se comportar os seres humanos no que diz respeito ao amor. Max pode desejar, mas existe um limite razoável, e ele não é quem está apto a decidir sobre isto. Só respeitando a estes limites ele pode ser feliz.

É Proibido Fumar escolheu tomar o partido fidelidade, do casamento, dos limites, do velho. O filme conta a história de todos os dias, de todos os relacionamentos. Ele conta a história que “é”. E a conta com o tom do “sempre será”. Partir escolheu tomar a posição do novo, da realização da capacidade humana de amar livremente. Ele conta a história de hoje, mas não para justificá-la. Partir é a história do hoje contada com originalidade. A história que “é” contada com tom do apelo para a construção da história que precisa “vir a ser”.