sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Originalmente escrito para www.criticadodireito.com.br

O “Novo Século Americano” começa com revoltas pró-democracia no Oriente Médio

ELI MAGALHÃES


Uma década se passou desde o 11 de setembro em que o World Trade Center foi derrubado pelo atentado terrorista assumido por Bin Laden. Recentemente, a morte do líder do Al Qaeda foi motivo de um triunfante posicionamento do atual presidente dos Estados Unidos, Obama.

Dois dias após o atentado em 2001, Bush, então presidente estadunidense, declarou que os EUA empreenderiam um imenso esforço para proteger tudo o que fosse “justo e bom”. Em sua forma peculiar de ver o mundo, esta invectiva significava a apresentação de uma nova política. A política do “novo século americano”. Uma tentativa do imperialismo de estender por ainda mais tempo a sua hegemonia econômica e militar sobre o resto do mundo, transformando, inclusive, as grandes potências da Europa, em meros acessórios, a exemplo da Inglaterra.

Não tardou. A invasão do Afeganistão, seguida imediatamente pela ocupação do solo iraquiano, vieram a demonstrar fortemente o significado real disto. A defesa do que seria “justo e bom” significou o desrespeito à soberania de países independentes, bem como o verdadeiro rasgo de toda a cartilha de direitos humanos de uma população civil de cujos os mortos se contam às centenas de milhares.

Se a política dos EUA serviu para provar algo, foi a debilidade estrutural do sonho kantiano (e ainda neo-kantiano) de uma “paz perpétua” mundial ou cosmopolita, sob a sociabilidade do capital. Nenhuma outra instituição se mostrou mais débil do que a ONU durante todo este processo. Ignorando completamente as variadas formas de veto possivelmente existentes dentro dos trâmites da entidade, o exército norte americano, não só confirmou que “armas de destruição em massa” sob domínio Hussein não passavam de um conto de fadas, ao mesmo tempo em que o Afeganistão torna-se hoje, simplesmente, um campo de treinamento militar para os Estados Unidos.

Particularidade de Bush? Obama não apenas sofre críticas por não ter retirado suas tropas do Iraque, como prometeu em campanha. Além disto, a própria forma como o atual presidente escolheu para comemorar a morte de Bin Laden demonstra seu desprezo por qualquer regra de direito internacional. Tal captura e execução, ainda agora, representa à mais veemente repulsa a qualquer princípio jurídico de tal ramo. Qualquer respeito à democracia, por parte dos EUA, está submetida à defesa de sua “incontestável” hegemonia.

Obama continua. Quando de sua visita ao Brasil, no início de 2011, ele ordenou a intervenção da OTAN na Líbia. Por si só o ato já é bastante significativo. No entanto, não fossem as circunstâncias peculiares, ele não teria ganho uma cor ainda mais berrante. A ordem de intervenção desferida por Obama foi durante uma refeição no Itamaraty. O centro da diplomacia brasileira se tornou, por minutos, o quartel general dos senhores da guerra. Um desrespeito duplo à soberania alheia. Uma prova vergonhosa da subserviência do governo brasileiro.

Do outro lado da corda, as movimentações de massas voltam a acontecer. O mundo árabe chacoalha 2011 com a queda sucessiva de diversos governos ditatoriais. O imperialismo se vê obrigado a movimentar, mais uma vez, suas tropas para aquele ponto do mapa múndi. A presença da OTAN na Líbia é prova suficiente da ameaça que o “novo século americano” sofre pelas rebeliões populares que tomam o palco do Norte da África. Egito e Tunísia são ponta de lança de um processo que recoloca o debate acerca das potencialidades e da necessidade da democracia política, que respingou, por exemplo, na Espanha da “democracia real”.

Três ou quatro décadas de ditaduras, no entanto, foram suficientes para a perda de quaisquer referências organizativas por parte destas populações. A necessidade de reconstrução de agremiações democráticas e, inclusive, socialistas, nestes territórios é posta em voga pela história. O refluxo dos grandes movimentos do início do ano já apresentam retrocessos no processos de abertura democrática da região. Não a toa, no Egito, é o mesmo exército que sustentou o regime por 30 anos quem conduz a transição. Na Líbia, o Conselho Nacional de Transição conta com a presença de antigos homens de Estado de Kadaffi.

Isto não reduz a potencialidade dos processos, apesar de aumentar suas contradições e dificuldades. O mundo árabe pôs uma mancha profunda nos planos de manutenção da hegemonia por parte dos EUA. O “novo século americano”, ao demonstrar sua total desconsideração pelas garantias democráticas, deparou-se por uma luta espontânea e determinadas de populações esmagadas por décadas sob regimes autoritários. Se estas batalhas evoluírem até seu ápice, tomando outros continentes como vem acontecendo, estaremos talvez, vendo, na verdade, a “última década americana”.