O que faltou no debate?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O que faltou no debate?

Foi realizado mais um debate eleitoral entre os presidenciáveis. Desta vez, o elenco do espetáculo estava, por assim dizer, completo. Todos os candidatos tidos como “principais”, para utilizar a palavra dos próprios jornalistas da TV Record (emissora do evento), estavam presentes. Foi possível ver as divergências, portanto, entre os “principais” projetos em disputa no Brasil. Certo?


Bem, as coisas não são assim. O debate, apesar disto, foi lacunoso no essencial. Trata-se da discussão acerca de perspectivas estratégicas para o país, e não do que tal ou qual emissora designa como alternativas “principais”. Para tanto, é necessário ir mais fundo na análise.


Se o início da discussão é o debate do dia 26 de setembro (último domingo) uma questão deve ser respondida a princípio: é preciso analisar individualmente Dilma (PT-PMDB), Serra (PSDB-DEM) e Marina (PV)? Se se trata de definir as particularidades de cada, a resposta é positiva. Para a discussão acerca da visão de mundo representada nestas três candidaturas para as eleições de 2010, no entanto, isto não é necessário.


Todas as candidaturas majoritárias representam um mesmo projeto. Dilma é o resultado eleitoral de oito anos de governo Lula, que, por sua vez, deu continuidade quase que estritamente aos oito anos de governo FHC (do qual Serra foi ministro do planejamento) no que diz respeito à política macroeconômica. Marina, por sua vez, não nega: ela mesma diz representar os últimos dezesseis anos de políticas governamentais no país. Com a diferença de que faz isto com base em um discurso ainda mais conservador (baseado no personalismo) e “pintado” de verde.


O objetivo deste texto não é, portanto, discutir esse campo da disputa eleitoral. Seria “chover no molhado”, analisar o último debate e colocar que, dos quatro candidatos presentes, apenas Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) representa, de fato algo diferente. Esta diferença é que merece ser discutida.


Plínio se saiu absolutamente bem no debate de domingo. Suas intervenções foram quase que perfeitas do ponto de vista retórico. Ele, visivelmente, “colocou no bolso” os outros candidatos. E não parece exagero pontuar que ele desengasgou uma porção de gente quando colocou que a forma de debater de Marina Silva é pura demagogia. Apontar as políticas neoliberais dos governos petistas e tucanos também foi um ponto forte do psolista.


Do ponto de vista do papel que Plínio precisa cumprir num processo eleitoral, contudo, pode haver alguns problemas. Por algum motivo (que deve estar relacionado com a coordenação de campanha do candidato, hegemonizada por setores centristas do PSOL), ele centrou a sua diferenciação em relação aos demais na questão da corrupção. Por diversas vezes repetiu que o PSOL é formado pelos petistas que não aceitaram a corrupção do antigo partido. Ora, com certeza um número considerável de militantes do partido deve ter achado a explicação insuficiente, considerando-se, aliás, que este não foi o motivo da expulsão do PT dos parlamentares que impulsionou a sua fundação.


Faltou aproveitar a oportunidade, levantada em diversos momentos do debate, para demarcar, claramente, a separação de classe entre o programa defendido por Plínio e o dos outros candidatos. Sem dúvidas, o programa que ele pode apresentar durante suas intervenções é muito mais interessante, do que centrar a tática de diferenciação na velha “ética na política”.


A explicação para isto é a constrição do programa do PSOL à estratégia democrático-popular. As propostas em si, apresentadas para a disputa eleitoral não são recuadas. Trata-se estatização de empresas, reforma agrária, estatização do sistema privado de educação, controle social da mídia etc. A forma como é vista a disputa eleitoral na estratégia do partido, contudo, é o que pesa no final. O PSOL dá à via eleitoral-parlamentar a mesma importância central que o PT deu durante as últimas décadas. E, neste sentido, faz concessões ao voto que não podem ser admitidas. Por isso, ao invés de apresentar as propostas do partido como o central de sua campanha e o motivo pelo qual os trabalhadores devem escolhê-lo e não os demais candidatos, esta questão fica quase que restrita ao combate à corrupção, à ficha limpa etc. A sua ausência no debate entre os candidatos de esquerda organizado pelo Brasil de Fato, por exemplo, não é um mero acaso.


Quais as consequências? A disputa eleitoral deixa de ser vista como uma forma de organização da classe trabalhadora para a conquista do poder político. Por outro lado, alimenta-se a ilusão de que eleitoralmente, por si só, é possível resolver as coisas. Já se viu como esse projeto acabou com o “ciclo PT” na esquerda brasileira. A soma da centralidade da via eleitoral-parlamentar ao caráter de classe do Estado, acabou resultando em uma acomodação dos impulsos contestadores do antigo partido dos trabalhadores. Efeito que se estendeu, inclusive, aos principais órgãos representativos de um projeto ligado aos interesses desta classe como a CUT, a UNE, o MST etc. A via eleitoral já demonstrou que não é a alternativa para a transformação social no Brasil.


O que faltou no debate, portanto, foi uma alternativa clara e radical. Não que o Plínio, por si só, não possa representar isto, mas é o programa de seu partido que o impede. Sem dúvidas, ele se diferencia dos neoliberais com quem concorre no mainsteram da campanha. Mas a forma como decidiu fazê-lo não é suficiente para transformar seus votos em um impulso de mobilizações e da luta direta das camadas populares do Brasil. Diferenciar-se pela “ética na política” é um desperdício da personalidade e da capacidade de debate do Plínio.


A lei eleitoral no Brasil já se encarregou de impedir que esta alternativa radical apareça. Ela obriga às emissoras de TV a “convidarem” para os debates transmitidos apenas os candidatos de partidos que possuam representação parlamentar. Nesta eleição, isto fez com que, de nove candidatos à presidência, cinco ficassem de fora dos debates. Dentre estes cinco, todos os três claramente socialistas (ainda que com divergências entre si): Zé Maria (PSTU), Ivan Pinheiro (PCB) e Rui Pimenta (PCO). Igualmente, a mesma lei eleitoral condiciona o tempo de TV ao número de parlamentares eleitos pelo partido. O que significa (e aqui até o PSOL é prejudicado), que ela faz de tudo para manter a proporcionalidade das câmaras legislativas “intocáveis” no seu essencial.


Aí está mais um aspecto que Plínio não denuncia. Ele tem chamado os debates eleitorais de democráticos e, neste último, parabenizou a Record em entrevista proferida ao final. Aí estava uma boa oportunidade de discutir a lei eleitoral. Ele tocou no monopólio midiático durante o evento, mas não é preciso lembrar que ele é candidato 24h por dia. E enquanto esta postura e o programa democrático-popular forem privilegiados, a lacuna dos últimos debates não será preenchida. Faltará a apresentação de uma alternativa socialista e revolucionária.

Chavismo vence eleições, mas perde maioria de dois terços no Parlamento

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Do site do UOL, notícias sobre os resultados das eleições na Venezuela. Só um comentário, a força conquistada pela oposição me faz fortalecer a idéia de que a imprensa brasileira hipervaloriza em muito o caráter autoritário de Chávez.

27/09/2010 - 05h29

Chavismo vence eleições, mas perde maioria de dois terços no Parlamento

O governo do presidente Hugo Chávez conquistou a maioria das vagas nas eleições para o Parlamento realizadas no domingo, mas perdeu a maioria qualificada, o que levará à base governista na Assembleia Nacional a ter de negociar com a oposição a aprovação de projetos de leis. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, o partido governista PSUV conquistou 90 cadeiras das 165 em disputa. A oposição, por sua vez, ficou com 59 vagas, mais de um terço das composição da Casa. O partido dissidente do chavismo, PPT, obteve duas vagas. Ainda estão por ser contabilizados os votos de outros sete postos que ainda devem ser anunciados nesta segunda-feira.
A participação dos eleitores foi de 66,45%, uma das mais altas da história para eleições legislativas.

"Nós alcançamos um importante resultado eleitoral, mas não foi possível conseguir os dois terços. Temos por enquanto 95 deputados, uma maioria contundente", afirmou o dirigente do PSUV Aristobulo Isturiz, diante de milhares de simpatizantes do governo, que pediam a presença de Chávez e esperavam o anúncio de uma vitória mais ampla. O presidente venezuelano, porém, não apareceu.

"A meta não foi alcançada, mas esse esforço nos reafirma como a primeira força política do nosso país", afirmou Isturiz, em um brevíssimo discurso.

Twitter Minutos depois, Chávez escreveu em seu perfil no twitter: "Socialismo bolivariano e democrático. Devemos continuar fortalecendo a revolução. Uma nova vitória do povo, parabéns", escreveu o presidente.

Apesar disso, os resultados não correspondem às expectativas do governo, que horas antes, extra-oficialmente, comemorava a conquista de pelo menos dois terços da Assembleia Nacional.

O governo buscava manter a maioria absoluta na casa, de pelo menos dois terços das cadeiras do Parlamento, para poder avançar com as reformas do projeto da revolução bolivariana, sem ter de negociar com a oposição.

O resultado é uma "derrota" para governo, na opinião do analista político Javier Biardeau, professor da Universidade Central da Venezuela.

"É uma derrota política que aponta mudanças no perfil político com que se vinha governando", afirmou.

"É um dos piores cenários para o governo. Voltamos a uma conjuntura semelhante à de 2002", quando a Venezuela viveu o auge da crise política que derivou no golpe de Estado de abril daquele ano, afirmou Biardeau à BBC Brasil.

O porta-voz da coligação opositora MUD, Ramón Guillermo Aveledo, disse que o eleitorado opositor "deverá crescer" nos próximos dois anos, antecipando a disputa para as eleições presidenciais de 2012.

"O que ficou demonstrado é que o país tem uma alternativa que se formou graças à convergência e à unidade de gente muito diferente", afirmou.

A oposição não possuía representação no Parlamento venezuelano desde 2005, quando decidiu retirar suas candidaturas na última hora e optou por não concorrer às eleições, alegando supostas irregularidades no processo eleitoral, que não foram comprovadas posteriormente. Desde então, a Assembleia Nacional é governada por maioria governista qualificada.

PSOL-RS ANUNCIA APOIO À CANDIDATO DO LULA

domingo, 26 de setembro de 2010

Posição do PSTU-RS sobre a decisão do PSOL-RS em retirar a candidatura ao senado em prol do apoio ao petista Paim.


PSOL-RS ANUNCIA APOIO À CANDIDATO DO LULA

Giovanni Mangia - Pela Direção estadual do PSTU



Um fato novo ocorreu na conjuntura eleitoral no Rio Grande do Sul, mais uma vez o Movimento de Esquerda Socialista (MÊS), grupo político de Luciana Genro, surpreendeu sua própria militância. Nesta última quinta-feira (23), o PSOL-RS convocou uma coletiva para anunciar a fatídica decisão de retirar da disputa ao Senado uma de suas candidaturas em apoio à do governo Lula/Dilma. A declaração de apoio ocorre no melhor momento da campanha de Paulo Paim (PT), com todas as pesquisas indicando um crescimento consolidado na segunda colocação. A liderança nas pesquisas de Dilma e a Tarso Genro no Rio Grande Sul – com possibilidade concreta de vitória no primeiro turno - é outro aspecto que cria um ambiente de estabilidade no crescimento da candidatura de Paim.

Pedro Ruas justificou tal decisão da seguinte forma:"Temos uma clareza muito grande em relação ao nosso compromisso com a classe trabalhadora, e apesar das divergências profundas às grandes alianças, das quais o PT participa - divergências sérias, políticas, ideológicas e de método -, há uma questão que extrapola essas divergências, que é o risco de elegermos dois candidatos da direita para o Senado", disse Ruas. Uma declaração no mínimo estranha em uma conjuntura eleitoral onde o presidente Lula e o PT construíram uma aliança para governar o país que acabou igualando os três candidatos que lideram as pesquisas na disputa ao senado. O PMDB, de Germano Rigotto, indicou o candidato à vice-presidente na chapa de Dilma e foi assediado por amplos setores para representar nestas eleições uma histórica chapa PMDB-PT em solo gaúcho. O Partido Progressista, de Ana Amélia Lemos, é base de sustentação do Governo Lula e representa um dos principais setores que está sendo beneficiado no governo federal, o agronegócio. O problema não são as alianças que o PT faz ou deixa de fazer, mas sim o projeto político que é a base e o conteúdo das mesmas

A candidatura de Paulo Paim (PT) é progressiva?

Existe um sentimento grande na vanguarda e na classe trabalhadora em geral de que a candidatura de Paulo Paim é a opção da esquerda e coerente na defesa dos direitos dos trabalhadores. Esse sentimento deve ser respeitado, mas não passa de uma ilusão. Por ser negro no estado mais racista do país e ex-metálurgico, esse sentimento se fortalece. Mas a realidade mostra que Paulo Paim é apenas um porta voz de um projeto político de conciliação de classes, que beneficia o grande capital e reforça a política econômica vigente no pais. Como pode ser progressiva, no ponto de vista da oposição de esquerda ao PT, uma candidatura que apóia integralmente as diretrizes que sustenta o projeto político e econômico no país? Respeitando as devidas proporções, esta é a mesma ilusão que a maioria da classe trabalhadora tem no presidente Lula.

Sua luta em defesa dos aposentados e da previdência não é coerente. Paulo Paim votou na reforma da previdência em 2003 que aumentou o tempo de serviço e contribuição dos servidores públicos. As divergências pontuais não anulam o acordo político global.

O Estatuto da Igualdade Racial foi descaracterizado. Foram suprimidas do texto original do estatuto todas as expressões que se referem ao termo “raça”, “racial”, “étnico-racial”, bem como suprimiu as expressões “derivadas da escravidão” e “fortalecer a identidade negra”, pois segundo os senadores, geneticamente raças não existem. Além disso, não prevê a definição de verbas para a criação de trabalho, moradia, hospitais e escolas públicas de qualidade para os trabalhadores que em sua grande maioria são negros e negras, favelados, superexplorados, discriminados e oprimidos em nosso país.

Analisando essa realidade fica muito difícil para os militantes honestos da esquerda socialista seguirem esta orientação política. Afinal de contas, qual é o grande perigo que está na disputa ao senado no RS, caso venha a vencer quaisquer uns dos três candidatos que são base de sustentação do projeto político da frente popular? Em nossa humilde opinião não há nenhum perigo, pois todos serão base de apoio do governo Dilma e seguirão as orientações do Planalto.

Precisamos fortalecer a oposição de esquerda e não os candidatos do PT

O raciocínio formal e superficial da decisão do PSOL-RS, que levou o partido a sacrificar uma de suas candidaturas ao senado em favor da candidatura petista, abre um novo capitulo das elaborações políticas de Roberto Robaina e de seu grupo. Se forem coerentes com a nova elaboração, de apoiar uma candidatura para impedir a vitória da direita, os companheiros/as deixam em aberto inclusive a possibilidade de declarem apoio as candidaturas de Dilma e Tarso, caso haja um segundo turno nas eleições. Isso é um grande erro que enfraquece a luta contra o projeto político e econômico que está sendo aplicado no país.

A divisão da esquerda que esse setor impulsiona há anos, com um veto quase que permanente a qualquer frente eleitoral e unidade com o PSTU, combinado com uma a defesa de um programa político rebaixado, de conciliação de classes e financiado pela patronal – como ocorreu nas eleições de 2008 com o financiamento da Gerdau, Taurus, Marcopolo, etc. – demonstra qual o caminho que estão trilhando. A decisão de apoiar a candidatura do PT ao senado em nenhum momento pode ser classificada como um apoio critico, pois a declaração oficial se limita a dizer genericamente que existem diferenças políticas com o Senador, mas, em nossa luta contra os ataques da previdência e aos aposentados, preferimos o seu nome na comparação com os outros candidatos das grandes coligações.” (Nota da executiva estadual do PSOL).

Sobre a luta especifica em defesa da aposentadoria, o PSOL-RS nem se preocupou em construir uma carta compromisso com o senador do PT, que servisse como base programática mínima para declarar apoio. É de conhecimento de todos que haverá uma nova reforma da previdência no próximo governo, qual será a postura de Paulo Paim? Ninguém sabe. Na verdade, o MÊS operou uma manobra eleitoral e midiática para colocar a imagem de Luciana Genro e Roberto Robaina – ambos candidatos nas eleições – ao lado de um candidato com apoio de massas, mesmo que esse seja do PT, para ganhar votos a partir de um fato político na reta final da campanha.

A decisão de apoiar Paulo Paim é incoerente, inclusive, com a principal disputa eleitoral do PSOL que é a eleição de Heloisa Helena ao senado. Ou será que os militantes e a direção do MÊS não estão informados que Paim apóia Renan Calheiros em Alagoas?

Vera Guasso é a opção da esquerda socialista ao senado

Os setores críticos a decisão da direção estadual do Psol não podem se limitar a uma postura tímida de aguardar uma disputa interna futura. A disciplina partidária em mais um caso polêmico patrocinado pelo MES cobrará seu preço no futuro. O PSOL precisa mudar de rumo para restabelecer à unidade política e programática necessária para fortalecer a oposição de esquerda no futuro governo Dilma. Nesse sentido, uma demonstração pública desses setores seria oficializar o apoio a candidatura de Vera Guasso como segunda opção na disputa ao Senado, em contraponto a decisão de apoiar a candidatura do PT.

Nossa candidatura ao Senado, representada por Vera Guasso, é a alternativa natural de milhares de ativistas, militantes e de todas as pessoas que estão na luta para fortalecer as reivindicações da classe trabalhadora em geral. É uma candidatura independente, classista, socialista, feminista e contra todo tipo de opressão gerado pelo capitalismo. Está com 2% ou 3% as pesquisas e na região metropolitana de Porto Alegre chega a 6%. Um patrimônio político construindo há anos e fortalecido nessas eleições, apesar do boicote permanente da mídia.

O PSTU gaúcho está aberto ao dialogo que contribua para unir forças na defesa dos trabalhadores e que fortaleça a luta pelo socialismo.

Qual democracia é defendida pela mídia brasileira?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Em breve pretendo escrever um texto sobre isto e sobre as última declarações de Lula acerca deste tema. Para adiantar, não concordo com nenhuma destas posições. Não defendo o governo. Mas dar vazão à conversa mole midática também não dá. E aí vão os motivos.



Sobre os debates de ontem

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sobre os debates de ontem

Ontem aconteceram dois debates (que deveriam ser) importantes para os eleitores alagoanos. Não tenho aqui a intenção de discutir profundamente ambos, mas apenas fazer breves comentários do que há de geral em relação a eles. Breves e, diga-se de passagem, bastante lacunosos.

O primeiro foi o debate de presidenciáveis com edição especial para a região Nordeste, realizado pelo SBT, em uma atitude pioneira. Pioneira, ressalte-se, somente no que diz respeito a isto. No que se refere à forma excludente como os debates das TV’s abertas são geralmente organizados, nada foi inovado. Apenas os candidatos cujos partidos têm representação parlamentar foram convidados, o que, de nove pretendentes à presidência, deixa cinco de fora. Há quem diga que isto é democrático.

Mesmo assim, apenas três candidatos participaram. Dilma (PT) não apareceu. E foi risível ver o Serra (PSDB) dizendo que em “sua reforma política”, será proibido aos candidatos faltarem aos debates. Bem, garanto que Zé Maria (PSTU), Ivan Pinheiro (PCB) e Rui Pimenta (PCO), estariam felizes em participar! Ou seja, a proposta tucana, oportuna, sem dúvidas, reveste-se de democrática, mas não toca no real caráter profundamente excludente da lei eleitoral que não obriga as emissoras a chamarem todos os concorrentes para participarem. “Eleição é chato? Paciência!”, disse ainda o tucano!

Outra “velha novidade” apresentada durante o debate foi uma tendência, alimentada não só por candidatos, mas também pelas regras do debate, pelos jornalistas e internautas que intervieram e, diria até, pela platéia: o Nordeste só pode ser discutido em termos “técnicos”. Foi incrivelmente entediante ver, especialmente no que diz respeito a Marina Silva (PV) e Serra, uma troca de propostas “concretas” reeditadas pela enésima vez como: “SUDENE nos moldes do Celso Furtado”; “saneamento para 30 milhões de pessoas”; “unidades de saúde” etc. As dificuldades nordestinas acabaram sendo utilizadas para escamotear os temas mais importantes de debate, esvaziando todo o conteúdo do mesmo. Um belo exemplo de redução da política às fronteiras do “factível”. O problema, é que uma mudança estrutural é, desde logo, colocada fora das regras do debate.

Não por acaso o candidato Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) tem cumprido um papel amargo em suas participações. Ele vem desempenhando a função do “abstrato”, “ideológico”, no significado mais vulgar dado pela mídia cotidiana a estas palavras. Plínio não tem a intenção (e de fato não deveria) de reduzir seu debate à discussão de como fazer “isso ou aquilo”. Em entrevista depois do debate, ele resumiu bem: “Não sou engenheiro!”.

O outro lado da moeda é que esta postura tem rendido a ele um destaque em relação aos demais debatedores. Sem dúvidas, Plínio se tornou a sensação dos debates presidenciáveis como a “outra cara” da política no país. Uma “cara”, por sinal, que costuma ser deixada de fora pelas regras eleitorais (retornando ao princípio do texto). O problema, é que, no debate acerca do Nordeste, a tônica “tecnicista” que tomou conta do palco acabou deixando-lhe, por vezes, um tanto acuado. Ainda assim, as melhores intervenções foram as suas. Para ressaltar uma em especial: em resposta à pergunta do Serra sobre qual seria o pior problema do Nordeste, Plínio, sem titubear denunciou as oligarquias da região que hoje têm representantes em todas as três campanhas majoritárias. De quebra, ainda colocou, verdade que com um pouco de atraso (isso foi apenas em outra pergunta), a necessidade da reforma agrária para acabar com a força política destas famílias, advinda da forma econômica atrasada nesta parte do país baseada no latifúndio exportador desde as capitanias hereditárias.

Mas Plínio chega a decepcionar em alguns momentos. Não vai a fundo em muitas das questões. Ranço do espectro recuado do PSOL que acaba por pesar em sua campanha. Falo, por exemplo, das propostas de estatização com indenização (como o disse na sabatina do R7), ou da promessa de “pagar a dívida para pequenos credores” (entrevista para o Jornal Nacional), ou mesmo da quase renúncia em denunciar a forma antidemocrática dos debates na TV (chegando mesmo a chamar alguns de democráticos). O que acho pior é sua insistência em convidar seus concorrentes a “firmar compromissos em torno disto ou daquilo”. Ora, Plínio, nenhum deles vai deixar de pagar a dívida pública e você sabe disso, vale mais a pena aproveitar o curto tempo de debate para apontar isto do que esperar que eles respondam.

Os piores momentos, contudo, ficam para Marina Silva (e bem que gostaria dar este “troféu” para o Serra). Mas ontem, como nos outros debates que tive oportunidade de assistir, não via a ex-petista fazer mais do que dizer que “passou fome”, que “já foi atendida pelo SUS” e se credenciar com um discurso melodramático e inteiramente pessoal para governar o país. Marina esconde seus planos de continuidade do que ela chama de “dezesseis anos de melhoria” atrás de uma mudança absolutamente transversal e, esta sim, abstrata na política ambiental. A candidata chegou ao ponto de dizer que vai resolver os problemas de falta de recurso para as políticas públicas do país “enxugando a corrupção”, que segundo ela própria toma do orçamento “5%”. Alguém avise à Marina Silva que 37% do orçamento de 2009 foram empregados no pagamento de juros da dívida pública. 5% não dão para o gasto, ministra!

Serra foi tão apagado que sobra pouca coisa para comentar dele. Em absolutamente nenhum momento ele discute questões de fundo, rebaixando tudo para o campo da técnica (de forma mais competente que a Marina, é verdade). Fora isso, é tentar bater na candidata do PT para ganhar alguns dividendos eleitorais. O tempo inteiro o discurso dele volta para a questão da corrupção.

O debate terminou com Marina dizendo que tinha raízes nordestinas para coroar o seu fraco desempenho totalmente baseado em um discurso vazio como este. Serra, por sua vez, falou que cresceu em um bairro operário de São Paulo e, por esta razão, conhece a vida de nordestinos “como ninguém”. Plínio, em mais uma de suas tiradas, disse logo que não tinha origem nordestina nenhuma, mas que a sua perspectiva política era a perspectiva dos explorados e, logo a dos habitantes pobres da região. Contudo, terminou pedindo voto para Heloísa Helena, colando sua imagem na da alagoana concorrente ao senado. Atitude que ela, aliás, tem evitado em relação ao presidenciável do partido em sua campanha estadual. O que parece em parte ser ranço de suas declarações de apoio à Marina durante todo o período pré-eleitoral somada à tentativa de isolar internamente a esquerda do PSOL (hoje representada na candidatura à presidência), em parte tentativa de não se desgastar com uma “inconveniente denúncia” do governo Lula frente ao seu eleitorado que inclui, surpreendentemente (ou não), votos em Ronaldo Lessa e Dilma.

Pouquíssimos minutos depois desta bela peça política, mudando de canal, era possível acompanhar o debate para o governo de Alagoas. Este, por sinal, um tanto mais interessante do que se podia esperar.

Em um tom geral, as coisas iniciaram com um debate restrito às questões técnicas do estado. Eram milhões para lá, computadores para cá, ambulâncias que vinham, viaturas que iam etc. No entanto, no decorrer das disputas, o tom geral foi descambando (e esta é, de fato, a melhor palavra) para troca de acusações.

Teotônio Vilela (PSDB) e Ronaldo Lessa (PDT) foram campeões no debate policial. Não se trata da discussão para resolução dos problemas da segurança pública, no entanto. Trata-se da discussão de “quem mente mais”, “quem é mais processado”, “quem tem mais culpa neste ou naquele problema do estado”.

Fernando Collor (PTB), por sua vez, bem que tentou ficar de fora destas questões. Porém, foi frequentemente lembrado de seu passado, seja como prefeito, governador, deputado, senador e mesmo presidente. Em nenhuma destas passagens, diga-se de passagem, o candidato deixou de pôr a sua marca (que não é das melhores), como lembraram os outros debatedores.

Mário Agra (PSOL) e Jefferson Piones (PRTB) foram os mais apagados, especialmente o primeiro que teve um fraco desempenho. O destaque, foi para Tony Cloves (PCB) que chegou a ser ovacionado mesmo na grande mídia do estado e da internet.

O sertanejo virou um dos assuntos mais comentados no Twitter, depois de suas intervenções contra Téo, Lessa e, principalmente, Collor. Cloves, demonstrou uma presença de espírito que, confesso, não esperava, mesmo conhecendo-o pessoalmente depois de algumas atividades do PCB-AL nas quais estive presente. De qualquer maneira, a tristeza é que não conseguiu esgrimir um programa que aponte para uma superação radical dos problemas alagoanos. O comunista resumiu-se a denunciar os crimes de mando, as campanhas bilionárias e as falcatruas de todos os tipos no estado. Coisa que o próprio Piones também fez. Além disso, propôs um programa de apoio ao pequeno empresário, bem diferente, por exemplo, da reforma agrária defendida por Plínio do debate anterior. Aliás, sua referência à Barack Obama e Lula, no final, não foi nada de esquerda e muito pouco respeitosa com Jayme Miranda e Freitas Neto.

Faltou a apresentação de uma alternativa real no estado. Uma que se coloca “fora das regras do debate”, como Plínio tenta fazer. E coloco isto, mesmo levando em consideração a alcunha de “Plínio alagoano” que Tony Cloves acabou “afanando” (no mesmo sentido de “roubando a cena”) de Mário Agra, psolista do estado. Desta vez, não podemos nem mesmo culpar a mídia, pois a TV Pajuçara convidou todos os candidatos a participarem. O diagnóstico que se pode apreender é que falta, na verdade, uma organização real das forças populares em Alagoas. E infelizmente isto não se resume às eleições.

Reality show ou tragédia anunciada?

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Do site da Liga Internacional dos Trabalhadores.

Reality show ou tragédia anunciada?

Antes do acidente na mina chilena, trabalhadores já denunciavam as péssimas condições de trabalho


Alejandro Iturbe
da Liga Internacional dos Trabalhadores


Na primeira semana de agosto, um acidente na mina San José, localizada cerca da cidade de Copiapó, região de Atacama, Chile, deixou 33 trabalhadores mineiros de baixo da terra e isolados dentro de um dos túneis da mina. Durante vários dias, não se soube se haviam sobreviventes, mas depois foi possível fazer contato com eles e saber que todos estavam vivos já que conseguiram atingir um refúgio com oxigênio e com certa quantidade de água e alimentos.

A partir disso, começaram a planificar-se as tarefas concretas de resgate, que demandariam não menos do que 90 dias, uma vez que é preciso perfurar outro túnel de 688 m de profundidade, com muito cuidado para evitar o desmoronamento das paredes da mina. Enquanto, os trabalhadores recebem alimentos e água através de uma sonda, pela qual também podem se comunicar com o exterior. Ao saber que os mineiros estavam com vida e depois de fazer contato com eles, uma grande alegria tomou conta de seus familiares, amigos e colegas.

Cortina de fumaça midiática
Logo após a confirmação de que todos os mineiros estavam vivo, começou um sinistro reality show televisivo sobre a vida dos mineiros no pequeno lugar onde estão refugiados. Um “espetáculo mediático” que inclui desde notas sobre a vida sentimental de alguns trabalhadores até o assessoramento de especialistas da NASA (a agência aeroespacial dos Estados Unidos) sobre como organizar a vida de grupos de pessoas que devem conviver longos períodos em espaços reduzidos.

Um reality show que, além disso, está sendo utilizado como uma cortina de fumaça que tenta ocultar as verdadeiras causas desta terrível situação: a negligência dos empresários donos da mina e a cumplicidade do governo – essas sim, as verdadeiras causas que provocaram o acidente.

O acidente claramente poderia ter sido evitado. Em julho passado, diante do Ministério de Minería (Mineração), o sindicato dos trabalhadores de San José denunciou as as “más condições de trabalho e os contínuos acidentes”. Disse ainda, que “não existiam as necessárias vias para escapar” e que o refúgio no qual agora estão o0s trabalhadores não contava com toda infra-estrutura necessária.

O sindicato chegou a pedir ao organismo encarregado de definir se a mina podia funcionar ou não que a fechasse provisoriamente, até que estes problemas fossem resolvidos, considerando que muitos deles vinham de vários anos atrás. Mas o Ministério não fechou a mina, apenas se limitou a lhe impor uma multa equivalente a menos de 60 mil dólares (pouco mais de 1.800 dólares em média por cada trabalhador cuja vida se pôs em risco).

Após o acidente, com total hipocrisia, os donos da mina pediram “perdão” através da imprensa. Enquanto o governo do presidente Piñera tentava se eximir de qualquer responsabilidade, denunciando a “responsabilidade da empresa” e dizendo (agora!) que ela seria investigada e castigada”.

Uma combinação letal
No caso da mina chilena, por sorte, o acidente não terminou com a morte dos trabalhadores. Mas não ocorre o mesmo em muitos outros lugares do mundo. Um relatório conjunto da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) assinala que, anualmente são registrados cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho que deixam 500 mil mortos. Soma-se a isso os 1,7 milhão de trabalhadores afetados doenças profissionais. O relatório ainda conclui que o número anual de acidentes, operários feridos e mortes vêem aumentando.

A negligência patronal que, para baratear custos e aumentar seus ganhos, deixa de fazer as obras e tomar medidas de segurança necessárias, se junta com a cumplicidade governamental, uma legislação a cada vez permissiva e jornadas de trabalho cada vez mais extenuantes. É uma combinação letal que provoca não só numerosos acidentes senão crescentes doenças trabalhistas. Para aumentar lucros e diminuir os custos empresários, o que se negocia é a vida dos trabalhadores (“a mais barata das ferramentas”, segundo um velho dito da patronal). Como diziam os cartazes nas marchas antiglobalização: “o capitalismo mata”: Para salvar a vida dos trabalhadores, há que eliminar ao capitalismo.

Independência ou morte!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Independência ou morte!


O 07 de Setembro, data em que comemoramos o dia da Independência parece ser propício para uma reflexão importante. Temos tanto a comemorar? É fato óbvio e ululante que não somos mais uma colônia portuguesa, mas isso por si só é suficiente para configurar nosso país como soberano?

A discussão aqui, contudo, não se resume à questão brasileira. Nem, tampouco, se aprofunda nela. Mas o dia da Independência é um bom gancho para a apresentação do novo documentário de Oliver Stone: Ao Sul da Fronteira. Ambientado na América Latina, tem como foco central os recentes governantes chegados à presidência de diversos países ao longo da última década e a relação dos mesmos com a mídia norte-americana. O epicentro do documentário é Hugo Chávez.

Stone inicia com uma série de notícias, claramente falaciosas e, em alguns casos, inclusive, ridículas, acerca dos novos presidentes da América Latina, tidos como não alinhados à política de Estado dos Estados Unidos. As notícias são retiradas de emissoras de grande repercussão até mesmo mundialmente falando. São extratos de áudio e vídeo retirados de transmissões da FOX, da BBC, CNN etc. O espectador é brindado, inclusive, com uma cena em que Michael Moore discute com um apresentador de TV acuado acerca da situação geopolítica internacional.

Este é talvez o lado mais interessante do documentário. A crítica direta que o filme faz à forma de “gerenciamento da verdade”, por assim dizer, dos grandes meios de comunicação dão uma base sólida para a avaliação do poder que estes instrumentos privados de hegemonia, no dizer de Gramsci, possuem. Há, por trás das transmissões, uma clara construção do consenso em torno de interesses bem definidos. Com uma remontagem de imagens, inclusive, Stone demonstra como a mídia norte-americana trabalha na produção de escandalosas mentiras no sentido de legitimar a versão governamental.

Trata-se da era Bush (mas não se pode esquecer que o mesmo acontece em diversos outros momentos). O presidente norte-americano define Chávez como o representante de um novo “Eixo do Mal”, ao qual ele também associa o Afeganistão e o Iraque. Não por acaso três países produtores de petróleo. Na legitimação automática que a imprensa norte-americana dá ao discurso de seu presidente percebe-se que vale-tudo. Stone revela como há, inclusive, uma cínica montagem de imagens gravadas durante o golpe sofrido pelo presidente da Venezuela em 2002.

No dia do referido golpe, uma multidão de pessoas foi às ruas em apoio a Chávez. Atiradores de elite escondidos em apartamentos próximos passaram a disparar nos partidários do presidente. Segundo Oliver Stone, os manifestantes contra Chávez também teriam sido atingidos. Em outro documentário, A Revolução Não Será Televisionada, no entanto, a informação é de que apenas os chavistas teriam sido alvo. Independente disto, os chavistas passam a se esconder em cima de uma ponte e a fazer disparos em uma rua vazia abaixo dela. A TV norte-americana, apresenta as imagens destes disparos combinadas com as imagens dos próprios chavistas atingidos pelos atiradores de elite, tentando ligar as duas, colocando eles próprios como os responsáveis pelos assassinatos. É uma clara manipulação.

Stone, portanto, performa uma interessante crítica ao monopólio dos meios de comunicação. Mas parece que o faz sem ter certeza do que está fazendo. Parece que não o faz de maneira absolutamente consequente. Ele leva todas as questões em torno de interesses de Estado. A impressão que fica é que aprofunda pouco em termos de interesses de classe. Isto não significa que ele deixe de pontuar os interesses econômicos envolvendo as mistificações da mídia norte-americana, nem mesmo dos ganhos materiais que os governos latino-americanos representaram para as parcelas mais pobres de sua população. No entanto, por trás destes interesses, Stone coloca, sempre, os líderes de Estado. Esquece de ver o conflito como uma luta entre os que lucram com estes interesses e aqueles que são explorados. No fim, tudo parece ser uma questão de mudança de caráter dos governantes.

Esta é a chave que utilizará, inclusive, para a sua análise da geo-política latino-americana. O centro do documentário é Chávez e a Venezuela. A eles é dedicada a maior parte do tempo. No entanto, são seguidos por Morales e Bolívia, Argentina e os Kirchner, Brasil com Lula etc. Aparecem até mesmo Lugo e Correa. Próximo ao final do documentário, inclusive, temos uma participação modesta de Raul Castro.

Sob a ótica de Stone, as diferenças entre todos estes governantes são reduzidas. O telespectador ficar com a idéia de que todos estes governos fazem parte de um mesmo processo, com iguais características e diferenças pontuais. O que é certo por um lado, equivocado por outro. De fato, a ascensão de governos de cunho popularesco, como os de Lula e Chávez, faz parte de um mesmo contexto histórico de esgotamento político, digamos assim, das antigas oligarquias de seus respectivos países, combinado a uma aversão ao neoliberalismo por parte de suas populações. A questão do neoliberalismo, contudo, é demonstrada mais claramente em Ao Sul da Fronteira, quando se trata da Argentina e da Bolívia (com os resultados da privatização da água).

Contudo, a força de mobilização das massas faz com que cada um destes governantes tenha características diferentes, de maneira diversa do que aparece no filme. As conquistas materiais dos venezuelanos sob Chávez estão, de longe, em uma ótica diferente daquelas mesmas que são construídas no Brasil de Lula.

Mas há um ponto em comum, entre todos estes presidentes, que Oliver Stone, em sua simpatia pelos processos de mobilização latino-americanos, deixa de apontar. Todos eles, a suas particulares maneiras, acabam por refrear as massas em seus processos de conquistas. Por mais importantes que estejam sendo as experiências venezuelana e boliviana, por exemplo, é inegável que Chávez e Morales, representam, por uma via indireta, a melhor maneira de impedir a organização para conquistas maiores. No que diz respeito a Chávez, por exemplo, é necessário ressaltar que seu governo tem avançado em algumas questões, como performando estatizações (com indenizações, aliás), mas recuado em outras, como repressão de greves etc. O ato mais característico de Chávez foi o seu apelo para que as massas voltassem para casa após elas terem impedido que ele sofresse um golpe de Estado em 2002. Ao invés de valer-se da correlação de forças absolutamente favorável aos movimentos populares, naquele momento, Chávez prefere recuar para a institucionalidade. No fim, faz concessões às velhas oligarquias e à manutenção da propriedade privada.

Pela alta mobilização dos trabalhadores venezuelanos, contudo, Chávez é obrigado a pintar seu governo de cores revolucionárias e é levado a mais embates com o imperialismo. Isto explica sua demonização pelas mídias dos mais diversos países, inclusive da Venezuela. Com Lula, no entanto, a coisa é diferente. Oliver Stone apresenta como o presidente brasileiro foi visto como uma “centro-esquerda tolerável” por parte do Departamento de Estado, e da mídia, norte-americanos. Há uma contradição. Se tanto Chávez quanto Lula representam o mesmo projeto de independência e combate à desigualdade na América Latina, porque apenas Chávez é tido como endiabrado? Stone não é capaz de responde esta questão. A resposta tem a ver com o fato de que, no Brasil, o processo que concede a presidência ao PT não é acompanhado de fortes mobilizações populares tal qual na Venezuela. Os petistas chegam à presidência seguindo os exatos mesmos métodos que seus adversários da direita tradicional. São apoiados, no máximo, por uma aversão a esta. Seu governo, contudo, apesar de programas assistencialistas de combate à pobreza, continua mantendo um sistema de indiscutível desigualdade no país. O salário mínimo dos brasileiros cresceu 57%, enquanto os lucros das grandes empresas cresceu 392%. Por isto, a mídia dos Estados Unidos simpatiza com Lula.

A perspectiva apresentada por Oliver Stone não é capaz de captar esta questão chave. Não se trata de um ou outro governante, mas do projeto classista que ele representa. E, apesar de ser claro que há um processo de mobilizações populares na América Latina que têm resultado em um deslocamento, ora aparente, ora real, para a esquerda de seus governos; é também claro que há ainda muito por acontecer para que estas experiências construam, de fato, alternativas reais ao sistema ao qual dizem se contrapor.

Uma frase de Oliver Stone durante uma das cenas do documentário serve para resumir a sua idéia geral sobre o decorrer de fatos no continente. Já no final do filme ele diz que vivemos em um “capitalismo selvagem” que deve ser combatido. E lança desavidamente: “Eu acredito em um capitalismo benigno”. Isto explica o tom de esperança com o qual é retratada a eleição de Barack Obama nas últimas cenas. Stone deixa se impressionar facilmente. O futuro dirá se a experiência com seu presidente democrata, que não cumpriu suas promessas de finalizar a guerra e desocupar o Oriente Médio, atacou o sistema de saúde etc., será eficiente em mudar sua opinião e entender que o capitalismo é incontrolável. Logo, é impossível ele ser benígno. Isto não retira, contudo, o mérito que ele tem em ser um documentarista norte-americano preocupado com o tema que tratamos no início do texto: preocupado com a real independência, liberdade e igualdade para os povos da América Latina. Mas ele, como muitos de nós, precisaremos aprender que esta independência tem menos a ver com a dominação da metrópole sobre as colônias do que com a dominação do homem pelo homem. Ela precisa ser conquistada, portanto, tanto na América Latina, quanto no resto dos continentes.