Um mês sem Quixote!

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Devido a férias forçadas, e que só serviram mesmo em relação ao Blog, o Antes Quixote esteve deixado de lado. É que no último período estive quase que totalmente impossibilitado de bolar coisas novas para o site.

No mês de Janeiro viajei para Belém do Pará, para representar o DCE-UFAL na reunião do Congresso Nacional de Estudantes que aconteceu no Fórum Social Mundial. Sobre o Fórum escrevi um texto que foi publicado no Mangue Wireless. Sobre o CNE, escreverei algum dia. Também participei de várias discussões em calouradas da UFAL, o que impediu que eu me dedicasse a escrever.

Hoje, contudo terminei um texto sobre a mercantilização da educação do qual fiquei responsável depois do último CORERED NE I (Conselho Regional de Entidade Representativas de Estudantes de Direito da Nordeste I). O CORERED, por sinal, também aconteceu entre o FSM e o Carnaval. Estou postando o texto por ser que de mais importante elaborei neste período. É longo, mas bastante lacunoso pela própria complexidade do tema. O objetivo, no entanto, era simplesmente introduzir seus elementos principais. Ele segue logo abaixo desta postagem.

Era para estar pronto antes do Carnaval. Mas vocês sabem como é o Carnaval... hahha!

No mais, estamos de volta! Acautelem-se, moinhos de vento!

Educação: direito, negócio ou necessidade humana?

Texto de contribuição ao debate acerca da Mercantilização da Educação da Coordenação Regional de Estudantes de Direito da Nordeste I (Alagoas, Bahia e Sergipe).

As dificuldades pelas quais passa a educação, enquanto complexo, no Brasil são muitas e tão conhecidas que, em geral, é dispensável a sua citação exaustiva. O sucateamento sistemático dos estabelecimentos de ensino público (superior, médio ou fundamental), a distância em que o sistema educacional encontra-se de sua efetiva universalização são, apenas, dois relevantes aspectos destas dificuldades enfrentadas por estudantes, professores e trabalhadores da educação de uma forma geral.

No entanto, é garantido, pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, a todos o direito à educação. Com isso, cada cidadão brasileiro teria, em tese, assegurado seu acesso ao sistema educacional formal. Realidade, como já dito, distante de se concretizar. Porém, a questão que se põe para aqueles que pensam a educação é anterior à sua configuração enquanto direito. É justamente sobre a reflexão da função cumprida por ela que se deve iniciar este debate. Para tanto, torna-se necessária a elucidação da essência da prática educativa. Isso deve ser buscado a partir de suas origens históricas.

Educação como necessidade humana

A educação, como qualquer ato humano, dirige-se a um fim específico, não sendo algo advindo do mero acaso. A busca pela compreensão deste fim específico remonta à própria constituição da humanidade. O homem, diferente dos outros animais, caracteriza-se enquanto ser social, ao passo que estes permanecem enquanto seres biológicos. Não se quer, com isso, dizer que apenas os humanos são capazes de viver em comunidade. Mas que, somente eles, são seres historicamente constituídos. Ou seja, seres que podem construir sua própria história, sendo sujeitos de seu mundo. Desnecessário dizer que os homens não a construirão a seu bel-prazer, mas, unicamente, dentro das condições oferecidas pela própria realidade.

Um breve exemplo parece servir para melhor demonstrar essa conformação das coisas. Comparemos a comunidade humana com a sociedade das formigas, outro animal com vida social bastante organizada. Basta perceber, para aflorar-se o caráter histórico da humanidade, que enquanto esta, nos últimos 10.000 anos, passou por diversas alterações sociais[1], um formigueiro atual, no entanto, se organizará da exata maneira que no passado. As únicas alterações que, por ventura, possam ter surgido advêm de mudanças genéticas nas formigas. Ou seja, mudanças biológicas em essência, não sociais. Quanto aos humanos, as mudanças sociais (históricas) por eles empreendidas acontecem sem uma necessária transformação genética. Algumas mudanças biológicas dos seres humanos são, inclusive, resultado de sua evolução social, como a redução dos dentes caninos graças à descoberta do fogo, permitindo a alimentação à base de uma carne mais macia.

Nota-se, desta forma, que os homens, enquanto seres sociais são uma categoria peculiar da existência. Mas o que os torna assim diferentes?

Através de sua consciência, os seres humanos são capazes de atos teleológicos, ou seja, dirigidos a um fim específico. Isso significa que podem responder a novas dificuldades postas pela realidade elaborando, para elas, novas soluções.

O primeiro ato teleológico da humanidade, contudo, é o trabalho. Este é a atividade através da qual os seres humanos transformam a natureza na busca de respostas para as suas necessidades. Desde a construção das mais simples ferramentas pré-históricas, foi o trabalho, a transformação da natureza para o atendimento a determinadas finalidades, que impulsionou a evolução histórica dos homens.

O trabalho é, assim, o elemento fundante da sociabilidade humana. É através dele que os homens diferenciam-se dos outros seres da natureza. Não fosse este ato, continuariam a-históricos como os demais animais. Diz-se, portanto, que o trabalho permite, à humanidade, um salto ontológico[2], posto que este gera um novo ser: o ser social, um ser radicalmente histórico.

Acontece que ao criar novos objetos para responder às suas necessidades através do trabalho os seres humanos criarão, também, novas situações que não poderiam prever anteriormente. Por exemplo, apenas depois de ter construído uma mesa e cadeiras é que a humanidade veio a se preocupar com a etiqueta a ser utilizada durante uma refeição. Caso a mesa e as cadeiras jamais fossem construídas a necessidade de uma etiqueta à mesa não viria, por óbvio, a existir. Com isso, é possível notar que, apesar de o trabalho ser o ato fundante do ser social, ele não é a única forma de agir humana. Porém, todas as outras formas de agir do homem (a educação, a ciência, a arte, a religião, a filosofia, a etiqueta etc.) encontram seu fundamento no trabalho, sem ele a necessidade delas existirem jamais estaria posta.

Assim, é importante perceber como a forma pela qual os homens se organizam para produzir bens úteis ao atendimento de suas necessidades influenciará de forma significativa todas as demais esferas da sociedade humana. Desta forma, é capital a noção de que cada tipo de sociedade mencionada acima teve, por sua vez, uma forma de organização do trabalho que lhe foi correlata. A Antigüidade Clássica organizou-se junto ao trabalho escravo, o Feudalismo ao trabalho servil enquanto o Capitalismo, por sua vez, surge com o advento do trabalho assalariado. Portanto, de forma cada vez mais complexa e articulada, a maneira como os homens trabalham, para transformarem a natureza, produzindo bens que devem atender às suas necessidades, vai influenciar a forma como se organizam socialmente.

Foi o trabalho que trouxe a necessidade do conhecimento aos homens. Ora, se trabalham para transformar a natureza na busca do atendimento de determinada finalidade, tanto maior será o sucesso deste processo quanto melhor se conheça o material com o qual se está lidando. Assim, a necessidade do aprimoramento do próprio ato laboral fez com que a humanidade começasse a se preocupar com a construção de um conhecimento, no início primitivo, mas cada vez mais sofisticado, acerca da natureza. É evidente que com o aumento da complexidade da própria sociedade humana este impulso por conhecer acaba sendo transferido a outras esferas que não apenas a natureza, como à própria humanidade.

A partir da problemática do conhecimento é que se pode partir para a busca da função da educação. Esta, não entendida, simplesmente, em seu sentido formal, é a maneira como os seres humanos conseguem apropriar-se do conhecimento gerado pela própria humanidade, conseguindo, a partir dele, dar prosseguimento à sua evolução. É interessante perceber como este é um dos aspectos que demonstra a impossibilidade histórica da existência de um ser humano isolado. Não bastasse o fato de que são necessários, pelo menos, dois seres humanos para a sua reprodução biológica, um homem isolado jamais seria capaz da apropriação da construção cultural do gênero humano, o que tornaria a própria idéia de gênero absurda, já que este é formado por sua relação com cada indivíduo da espécie.

A educação surge, portanto, como um complexo de práticas, com diferentes características em cada momento histórico determinado, mas com um caráter que se apresenta em todos eles. É ela que permite, ao indivíduo do gênero humano, apropriar-se do patrimônio cultural da humanidade para, a partir daí continuar sua evolução social. Significa dizer que a educação humana é, na verdade, a preparação para o novo, a forma como se prepara o indivíduo para responder às novas necessidades postas pela história a partir das experiências já acumuladas pela própria humanidade. Ela é, dessa forma, uma necessidade humana básica, posto que serve para tornar o homem o sujeito de sua própria história.

Como já dito, a maneira como os homens se organizam para produzirem os bens úteis ao atendimento de suas necessidades, ou seja, a maneira como se organizam em torno do trabalho, irá repercutir de maneira significativa em todas as demais áreas do agir humano. Assim, a educação, apesar de sua característica genérica enquanto necessidade humana, irá conformar-se de tal ou qual maneira a partir do tipo de sociedade em que for presente. Se no comunismo primitivo, uma sociedade sem classes sociais, a educação estava ao acesso de cada indivíduo do grupo humano por questão, até mesmo, de sobrevivência, com a divisão social do trabalho e da sociedade em classes esta realidade será transformada. No Feudalismo, por exemplo, apenas os nobres recebiam uma educação mais completa, posto que aos servos era necessário, unicamente, o conhecimento de como executar o seu trabalho.

Com o surgimento da propriedade privada e da divisão social em classes, com sua correlata divisão social do trabalho, a educação passará por diversas transformações. Neste texto, contudo, nos é importante, apenas, a discussão da educação na sociedade Capitalista, sendo esta a que vivemos.

A educação enquanto mercadoria

Como dissemos acima, em determinadas épocas históricas a educação tornou-se restrita às classes dominantes. Com o advento do Capitalismo, no entanto, ela tende a ser massificada, atingindo, também, camadas mais baixas da população, apesar de não necessariamente ser universalizada. Acontece que, com o advento do sistema do capital, a educação, assim como várias outras necessidades humanas (como a saúde) foram elevadas ao status de direito.

O Capitalismo, como dito anteriormente, funda-se no trabalho assalariado. Com isso, a relação que necessita estabelecer-se entre patrão e empregado será juridicamente assegurada através de um contrato de trabalho. Para assinar um contrato, no entanto, o empregado deveria ser, pelo menos juridicamente, reconhecido de maneira igual ao patrão. Logo, ambos devem ser considerados cidadãos, com iguais direitos e deveres perante a lei.

A isonomia, garantida na maior parte das Cartas Constitucionais advindas desde a Revolução Francesa do séc. XVIII, estatui, contudo, uma igualdade meramente formal. Ainda assim, a luta contra o Estado Absolutista levada à frente pela ascendente classe burguesa, culminou com a declaração universal dos direitos dos cidadãos, reconhecendo, tanto para pobres quanto para ricos, direitos formalmente assegurados.

Para além disso, o Capitalismo passa a exigir uma classe trabalhadora mais qualificada do que o Feudalismo. A partir daí, a necessidade de uma mão-de-obra educada dentro de um sistema formal que a preparasse para atender as demandas de um mercado crescente abre as portas das escolas para os filhos da classe operária que brota junto ao processo de industrialização. É evidente que este processo acontece de uma maneira complexa, com avanços e recuos, e que nem todas as esferas educacionais estão ao acesso das classes mais baixas.

Assim, é possível encontrar, na maior parte das Constituições atuais, a garantia da educação como um direito fundamental do homem. A maior parte delas, entretanto, não estatui o Estado como o único fornecedor dos serviços educacionais, podendo a iniciativa privada fornecer, também, este serviço “público”[3].

Evidente que a iniciativa privada, movida essencialmente pela busca do lucro, não entenderá a educação como um direito, mas como uma mercadoria, vendendo-a a preços ora mais caros, ora mais baratos, sempre na busca pelo retorno de seus investimentos. Desta maneira, a educação, que se configura enquanto uma inafastável necessidade humana na busca da constituição de um indivíduo que seja um membro autêntico do gênero humano, passa a atender os desígnios do mercado, ainda que estes não necessariamente sejam os mesmos que os desígnios da própria humanidade.

Este processo, que se desdobra de forma extremamente complexa, encontra seu fundamento último, mais uma vez, no modo de produção social que vige no Capitalismo. O trabalho assalariado, baseado na propriedade privada dos meios de produção, gera mercadorias. A mercadoria é uma categoria abstrata que serve para permitir o câmbio de valores de troca no mercado. Ora, seria, por exemplo, impossível a um produtor de maçãs negociar com um produtor de bicicletas. Como comparar os dois objetos se eles representam categorias completamente diferentes? Quantas maçãs valeriam uma bicicleta, e vice-versa, no sistema de trocas capitalista? Sem o advento da categoria da mercadoria, que se baseia no valor-de-troca dos objetos, esta negociação seria impossível. E seria, desta forma, impossível o próprio sistema do capital.

Desta maneira, é imperativa a percepção de que o trabalho assalariado é, fundamentalmente, produtor de valores-de-troca, e não de valores-de-uso. Pouco importa se a mercadoria a ser produzida é passível da realização real das necessidades humanas. O importante, para o sistema do capital, é quanto esta pode ser valorizada mercadologicamente. Assim, se for mais lucrativo a produção, exemplarmente, de eletros-domésticos que tenham uma vida útil menor do que o esperado, para que o mercado encontre rápida renovação, isto será feito, ainda que a produção de lixo e o desperdício das capacidades ambientais do planeta o ponham, com isso, em sério risco.

O mercado, se torna, com isto, a maneira predominante que os seres humanos têm de apropriar-se dos bens úteis ao atendimento de suas necessidades. Assim, aquele que não puder consumir mercadorias encontrará ameaçada sua própria existência. Dessa forma, todo aquele que tiver algo a oferecer ao mercado, em troca de outras mercadorias, o fará. Com isso, a categoria da mercadoria passa a alastrar-se por todas as esferas da vida humana, transformando tudo que, de alguma forma, atende às necessidades dos homens, em mero valor-de-troca, capaz de ser cambiado no lócus mercantil. A esse fenômeno de universalização da forma mercantil chama-se reificação (ou coisificação).

A reificação é um fenômeno de grande importância para que se entenda como a educação pode ser submetida a uma lógica de mercado, transformando-se, portanto, em mercadoria. Na sociedade capitalista, regida, fundamentalmente, como já se disse, pela produção de valores-de-troca, a necessidade de participar do mercado faz com que os seres humanos transfiram, para grande parte das esferas sociais a forma mercantil. Assim, é possível, no Capitalismo[4], comprarem-se e venderem-se os mais diversos aspectos da vida humana. O mercado oferecerá arte, ciência, diversão, sexo, conhecimento, saúde, educação etc., àqueles que puderem pagar por isto. Para aqueles que não possam pagar, o sistema mercantil não oferecerá respostas satisfatórias.

É certo que a mercantilização da educação, entendida anteriormente como um direito, não se deu de maneira instantânea. Apesar da presença da iniciativa privada no sistema educacional desde a origem do Capitalismo, essa realidade tornou-se mais palpável a partir do fim da década de 1960 e início da década de 1970.

É durante este período que se deflagra a Crise Estrutural do Capital. Esta crise, que não é apenas conjuntural, faz com que, por sua própria lógica, o Capitalismo aprofunde, de forma cada vez mais acentuada, as contradições sociais existentes no mundo. Entre suas principais conseqüências está o fim do chamado Estado de Bem-Estar Social ou o Welfare State, reflexo da teoria Keynesiana, que, por sua vez, foi uma resposta à grande crise de 1929.

O Welfare State valia-se da proteção de amplas camadas da população através do fornecimento de serviços públicos que asseguravam direitos tais como saúde e educação. Acontece que a partir da década de 1970 a intensa queda na taxa de lucro das classes dominantes, graças à crise, e a saturação dos mercados consumidores mundiais, faz com que a elite econômica precise de novos ramos de mercado para valorizar o seu capital. Aquilo que, há algum tempo seria oferecido pelo Estado[5], passaria para as mãos da iniciativa privada, como novas e rentáveis atividades econômicas, independente se, com isso, as necessidades humanas aí envolvidas pudessem ser atendidas ou não.

A chamada política neo-liberal, que trazia de volta e acentuava o princípio da liberdade de mercado, foi a estratégia da classe burguesa contornar a Crise Estrutural do Capital. É evidente que, sendo uma estratégia que se realiza dentro da lógica do capital, e até aprofundando-a, ela serve apenas para tornar ainda mais crítica a Crise, retirando das mãos das classes trabalhadoras direitos outrora garantidos.

Com isso a mercantilização da educação passa a operar-se em dois sentidos distintos, mas que procuram completar-se. Em primeiro lugar, a educação, enquanto complexo, deixa de ser entendida como um direito, ou mesmo como uma necessidade de cada ser humano. Passa a ser vista como um serviço como qualquer outro, podendo ser oferecido pela iniciativa privada, ou seja, pelo mercado. Submete-se, assim, às suas regras mais fundamentais, como a compra e venda, oferta e procura etc., e não ao atendimento das demandas reais da humanidade.

Como se não bastasse, ela se torna, por conseqüência, cada vez mais voltada para a profissionalização e formação técnica para o mercado, do quê para a humanização dos indivíduos. Com o crescente desemprego estrutural, mais uma conseqüência do aprofundamento das contradições do Capitalismo, e o crescimento da concorrência no mercado de trabalho, a educação passa a ser um dos requisitos para o sucesso pessoal profissional. Para tanto, a discussão de temas como a Filosofia, a Arte etc., torna-se supérflua diante da necessidade de maior qualificação de uma mão-de-obra que possa atender às demandas do mercado. A função de mediação entre o indivíduo e o patrimônio cultural humano é, portanto, deixada de lado pela educação graças aos imperativos postos pelo movimento do capital.

Os cursos de Direito, no Brasil, podem ser utilizados como exemplo desta realidade. Com um conteúdo extremamente tecnicista e dogmático, as escolas jurídicas não são capazes de formar profissionais que, além da excelência técnica, possam, através da aquisição do conhecimento humano que já foi produzido, pensar criticamente a sociedade e empenhar-se em transformá-la, seja através do direito ou não[6]. É possível encontrar bacharéis que consigam dizer, sem qualquer consulta, todos os direitos básicos estatuídos pela Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo. No entanto, encontrar um jurista que conheça a real situação da classe trabalhadora no país e que seja capaz de discuti-la é algo extremamente raro.

Mais do que isso, a produção de conhecimento, que deveria ser oferecida pela pesquisa e pela extensão universitárias, é comumente deixada de lado nas Faculdades de Direito, privilegiando-se o mero ensino. Os cursos jurídicos tornam-se, desta maneira, pouco mais do que uma série de aulas em que os professores depositam um conhecimento dogmático, baseando-se em metodologias que se valem do anti-diálogo com os estudantes, avaliando-se este processo periodicamente através de provas e trabalhos. Os cursos de Direito são, por isso mesmo, considerados baratos e bastante rentáveis, já que, em tese, para sua organização bastam salas lotadas de alunos e um punhado de docentes. Nenhum custo com laboratórios, por exemplo, é necessário. Se a superlotação das salas de aula e a sobrecarga dos educadores atrapalhará um acompanhamento mais sério do desenvolvimento do corpo discente do curso, não importa, para os negócios é uma questão que não faz a menor diferença.

Conclusão: A educação, a crise e sua superação

É desta maneira que a educação vem sendo tratado, no âmbito do sistema Capitalista de produção. No que toca ao Brasil, país reconhecidamente subdesenvolvido, a política neo-liberal é aplicada com um rigor quase ortodoxo na busca da sustentação destes novos ramos de mercado capazes de garantir o lucro das elites econômicas.

É possível acompanhar a proliferação de diversos complexos educacionais privados, especialmente no tocante ao ensino superior, na última década de 1990. O ensino médio, que teve seu sucateamento iniciado durante a Ditadura Militar, já se encontra em estado agonizante há bastante tempo. É a vez das Universidades Públicas pagarem o preço da Crise. Ironicamente, nenhum governo foi mais rigoroso na aplicação da cartilha neo-liberal do que o Governo Lula. A chegada do PT, antigo marco da esquerda latino-americana, ao governo federal é crucial para uma guinada ainda mais intensa à privatização da educação no Brasil.

A Reforma Universitária levada a cabo pelo governo petista tem como principal objetivo a perda da referência educacional superior no sistema público. Escancara, assim, as portas desse setor para a iniciativa privada, podendo esta, então, lucrar a vontade vendendo aquilo que deveria ser um direito garantido a todos. O fato, ainda, de que o PT tenha suas origens na esquerda levou com que diversos setores das classes populares passassem a apoiar de forma completamente acrítica as políticas que atacam direitos históricos executadas por Lula. Nesse contexto, é emblemática a defesa da União Nacional dos Estudantes (UNE) ao projeto de Reforma Universitária neo-liberal que vem sendo aplicado no Brasil[7].

Vimos, no entanto, que é próprio da lógica do capital transformar todas as dimensões da vida humana em mercadoria, independente de quão importante ela seja aos homens. Dessa maneira, não nos é possível imaginar que uma educação emancipada, completamente voltada para as reais necessidades humanas possa ser construída dentro de uma forma de sociabilidade que, em si, é coisificante e alienante.

Isso não serve, porém, para permitir que se cruzem os braços no tocante à defesa de uma educação humanista e que torne os indivíduos autênticos representantes do gênero humano. A luta pela Universidade pública e pela universalização da educação, também pública, é uma responsabilidade de todos aqueles que pensam este complexo. A construção, ainda, de práticas educativas que permitam aos educandos tornarem-se sujeitos políticos de seu tempo é fundamental para a superação do atual estado de coisas. A concretização, porém, de uma educação livre de qualquer alienação será possível, somente, com a construção de uma sociedade verdadeiramente emancipada. Ou seja, será possível, apenas, com a superação do Capitalismo.

Indicação de Bibliografia Básica:

- Sobre a centralidade do trabalho enquanto elemento fundante da humanidade como ser-social, ou seja, radicalmente histórico:

LESSA, Sérgio. Para compreender a Ontologia de Lukács. 3 Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.

- Sobre a função da Educação e sua conformação histórica no Capitalismo:

TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.

- Sobre a categoria da mercadoria, do fetichismo e da reificação no Capitalismo:

NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 3 Ed. São Paulo: Ed Cortez, 2007.

- Sobre a Reforma Universitária em curso no Brasil:

Diversos artigos e estudos realizados pela Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior no endereço: http://www.andes.org.br/imprensa/arquivo/default_reforma_universitaria.asp


[1] Em termos de organização social fomos do comunismo primitivo, ao modo de produção asiático e o escravismo, ao feudalismo, ao capitalismo, primeiro mercantil, mais tarde industrial até chegar ao capitalismo tardio, tendo certas sociedades, como a antiga União Soviética, chegado ao pós-capitalismo.

[2] Ontologia é o estudo do ser.

[3] Ver Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 209.

[4] Não que apenas no Capitalismo isto seja passível de acontecer, porém, somente neste modo de produção esta relação com as coisas torna-se predominante e a necessidade de apropriação de riqueza através do mercado torna-se imperativa.

[5] Importante notar, contudo, que esta realidade resumiu-se a apenas 30 anos, e se restringiu a poucos países desenvolvidos, às custas da exploração de economias subalternas de países do Terceiro Mundo.

[6] Discussão sem dúvidas importante, mas que não cabe nos limites deste texto.

[7] Pelos limites deste texto, não poderão ser discutidas, de maneira mais profunda, as características da Reforma Universitária que vem sendo implantada pelo Governo Federal. Basta, no entanto, dizer que em nada ela contradiz as políticas dirigidas à educação pública pelos governos tucanos de FHC, e pelas cartilhas de órgãos internacionais como o FMI e o Banco Mundial. A bibliografia sobre o assunto é vasta e de fácil acesso, especialmente no site da Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior: www.andes.org.br .