A ditadura pode se tornar uma democracia. E vice-versa!

domingo, 20 de março de 2011

A DITADURA PODE SE TORNAR UMA DEMOCRACIA. E VICE-VERSA.


Em 1988 era aclamada a Constituição Cidadã. O Brasil, tendo passado por duas décadas de um ditadura militar que impedia, desde o Ato Institucional nº5, de 1968, basicamente todas as liberdades democráticas como livre manifestação, livre reunião, direito de organização etc., experienciaria a partir de agora os bons ares do Estado Democrático de Direito. Ou assim acreditou-se.

Na última sexta-feira (18/03), 13 militantes, dos quais alguns ligados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, foram presos por exercerem algumas dessas liberdades. Um ato público realizava-se no Rio de Janeiro em protesto contra a vinda de Barack Obama ao Brasil e todas as políticas que isso representa: privatização, sob controle do imperialismo, do petróleo brasileiro; intervenção político-militar na América Latina (aos que duvidam, uma visita às bases estadunidenses na Colômbia e às tropas brasileiras no Haiti, faria um bom favor à oxigenação de suas opiniões); conquista de apoio mundial para mais uma intervenção no mundo árabe, desta vez na Líbia, além das concertações “diplomáticas” sob as armas do exército no Egito. E a lista poderia ser prolongada de forma assustadora e com casos cada vez mais bizarros (o digam os prisioneiros de Guantanamo).

Durante a manifestação pacífica, a polícia militar interviu de maneira violenta, com disparos, dispersão da manifestação e prisões. Além de impedirem acesso a diversas ruas da cidade e, em especial, à Cinelândia, os policiais alegam que a intervenção se deu por um suposto coquetel lançado contra o prédio do consulado dos Estados Unidos. Portais de notícias apresentaram fotos do objeto que fora encontrado depois pelos militares.

A polícia só esqueceu de explicar uma coisa. É princípio do direito penal burguês, baseado em critérios utilitaristas por um lado, e mesmo humanistas por outro, que apenas o criminoso seja punido por sua conduta. Parece algo simples de ser dito. Acontece, porém, que a forma de punição da Idade Média afetava, além do suposto criminoso, também parentes, amigos etc. Essa é a razão para que a preocupação esteja presente nas constituições e códigos penais modernos. Além disso, por mais que isso revolte as tropas de elite de plantão no Rio, todos devem ser considerados inocentes até que se prove o contrário. Em suma: falta a polícia nos explicar como 13 pessoas podem ser presas em flagrante por lançarem um único coquetel molotov. Parece, no mínimo, um ato fisicamente impossível. Se é que qualquer coquetel foi realmente lançado.

Ainda que seja real que qualquer atentado tenha sido feito contra o consulado, trata-se claramente de uma atitude de agentes provocadores dentro do próprio movimento. As chances de terem sido infiltrados pela própria polícia também é bastante grande. Em recente nota o blogue do ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (DEM), demonstrou como as forças policiais estavam desde o início monitorando quaisquer possibilidades de manifestações políticas anti Obama, através de agentes infiltrados. Em mensagem eletrônica, um delegado da área de inteligência explica a mudança de local do discurso de Obama:

A decisão da equipe precursora do presidente Obama, reunida com a equipe brasileira, de transferir o seu discurso da Cinelândia para o Theatro Municipal, tem toda razão de ser. Um grupo significativo de militantes foi sendo identificado por infiltração de quatro agentes”. Fonte: http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/03/18/cesar-maia-eua-identificaram-infiltracao-de-militantes-contra-obama-na-cinelandia/

Prisões arbitrárias, infiltração em movimentos políticos, repressão à liberdade de expressão e ao direito à livre reunião etc. O rol de atividades nitidamente antidemocráticas por parte dos governos é sombrio. No Brasil, mesmo depois da Constituição de 1988 e da declaração formal de que se vive um regime democrático, os partidos de esquerda e movimento sociais populares vêm sendo criteriosa e inescrupulosamente espionados por agentes da inteligência. Desde documentos em forma de relatórios sobre atividades de partidos e movimentos sociais durante toda a década de 1990, até recente entrevista de presidente da Associação dos Servidores da Agência Brasileira de Inteligência, que confessa, incomodado por achar que está sendo “mal utilizado” que

o pessoal do SNI ainda está na direção. Por isso 70% de nossas atividades são internas. Somos obrigados até a procurar boi no pasto e vigiar invasão [sic!] de estudante em reitoria”. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u442077.shtml

A criminalização dos movimentos de protesto costuma ser a principal arma de repressão direta contra os mesmos. Tenta-se, a todo custo, adequar as condutas destes movimentos à crimes previstos nas leis penais. Quando isto não é possível, simplesmente implanta-se provas de que algum determinado crime aconteceu.

O que é alarmante na situação é que se trata de uma forma de fortalecer o Estado penal, constituindo um inimigo público que justificaria uma postura cada vez mais repressora e desrespeitadora de direitos por parte dos agentes repressivos. Enquanto os trabalhadores e suas famílias ficam sem saúde, educação, habitação etc., são constantemente vigiados para impedir qualquer possibilidade de que se manifestem contra tal situação. Uma típica tendência fascistizante do Estado neoliberal, que se preocupa quase que majoritariamente em atender os interesses do capital monopolista. Para os bancos, trilhões de dólares em lucros. Para os trabalhadores, celas apertadas, maus tratos e violência policial.

Seria a primeira vez que tal tática reacionária apareceria na história brasileira? Getúlio Vargas implantou a ditadura do Estado Novo em 1937 a partir de um suposto plano comunista para a tomada do poder. O famoso Plano Cohen, foi o pretexto para o fechamento de liberdades e manutenção no poder do presidente, então simpatizante do movimento fascista italiano. No caso do próprio AI-5, já mencionado anteriormente, o fechamento das liberdades adveio, dentre outras, de alegações de que as diversas manifestações das quais o movimento estudantil brasileiro foi vanguarda em 1968, eram impulsionadas por elementos estrangeiros ligados a Cuba e à União Soviética.

Estes são apenas casos maiores e mais famosos. Cotidianamente os ativistas políticos são defrontados com as mesmas situações em escala menor. Desde sindicâncias em universidades, escolas e locais de trabalho, à prisões como as testemunhadas na última sexta-feira. O Estado vive uma atual fase de escalada reacionária e autoritária, atendendo às atuais necessidades de controle político por parte do capital.

No primeiro ano de mandato de uma mulher, ex-guerrilheira e ex-torturada, o Brasil toma a decisão de manter presos políticos em seus presídios. Fato que acontece quase um ano depois de o Supremo Tribunal Federal ter decidido, por 7 votos a 2, a não punição dos militares torturadores da ditadura brasileira. Em seu discurso, Obama saudou a democracia e o livre mercado brasileiros. Em uma fala recheada de louros aos direitos humanos (os mesmo esquecidos em Guantanamo, Afeganistão, Iraque, nos próprios EUA para com seus imigrantes e negros, na recusa à participação na conferência climática de Kopenhagen etc.), parabenizou Dilma por seu passado de luta política e disse que o “Brasil é o exemplo de que uma ditadura pode se tornar uma democracia”. Acrescentar um “e vice-versa” no final completaria o discurso e o tornaria menos hipócrita.

A omelete de Dilma

quarta-feira, 2 de março de 2011

O dia 08 de março está chegando. Nunca é demais lembrar a origem socialista desta data. Aniversário da Revolução de Fevereiro na Rússia. E nunca é demais lembrar a atual situação das mulheres trabalhadoras do país. Do portal do PSTU


A omelete de Dilma



Ana Luiza Figueiredo*, de São Paulo (SP)



• Faltando uma semana para o Dia Internacional da Mulher, a presidente Dilma, primeira mulher eleita para o cargo máximo do país, foi a convidada do programa Mais Você da Rede Globo, dirigido às mulheres e apresentado por Ana Maria Braga. Tentando ainda quebrar o gelo e a imagem de durona que lhe foi atribuída, a presidente falou de sua vida pessoal, seu gosto pela música e pelas artes. Para uma audiência de maioria feminina, também discorreu sobre Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, emprego e saúde. Entre uma conversa e outra, Dilma fez uma omelete.

A presidente se empenhou em destacar o papel que a mulher vai ocupar na sociedade em seu mandato. Disse: “Quando a mulher assume alguma posição de autoridade, ela é vista como estando um pouco fora de seu papel. Mas isso era até agora.” Apontou que são as mulheres que chefiam a maioria dos lares no Brasil. São elas que recebem e administram o Bolsa Família, são elas que mais têm capacidade de abrir pequenos negócios. Tudo isso está correto e poderíamos apontar inúmeras outras qualidades das trabalhadoras deste país.

Mas isso está longe de ser uma conquista de seu governo ou de seu antecessor Lula. É assim porque as mulheres são as que têm os piores empregos e ganham os menores salários. As mulheres, vítimas do machismo da sociedade, são agredidas e abandonadas, ficando com todo o peso de sustentar uma família econômica e emocionalmente. As mulheres das quais estamos falando – a maioria trabalhadora e pobre – fazem bicos na informalidade para aumentar a renda, e não “pequenos negócios”.

O otimismo da presidente caminha na contramão da realidade e daquilo que ela mesma está fazendo e promete fazer. A economia saiu do período de euforia anterior e começa a desacelerar. Dilma falou às mulheres um dia depois de o governo anunciar um corte no orçamento que chega a R$ 36 bilhões. De onde vai sair esse dinheiro? O Minha Casa Minha Vida vai perder R$ 5,1 bilhões, e a Educação, R$ 3,1 bilhões, para citar apenas duas áreas das que mais afetam as mulheres.

Já o aumento do salário mínimo não cobriu sequer a inflação. Pelo contrário, vai ter um arrocho de 1,3%. Não havia arrocho desde 1997. O preço dos alimentos inflacionou 16%. De todos que recebem o mínimo, 53% são mulheres. E a reforma da Previdência vai aumentar a idade mínima para as mulheres se aposentarem.

“Devo isso às mulheres brasileiras... de ser presidenta”. Sim, Dilma, você deve às mulheres brasileiras um salário digno. Elas não precisam de Bolsa Família. Elas precisam de emprego e salário para alimentar e vestir a si e sua família, para se divertirem.

Você deve investir no combate à violência: a Lei Maria da Penha não é suficiente. Deve a legalização e descriminalização do aborto para que as mulheres parem de morrer. Deve educação e saúde de qualidade para elas e seus filhos. Deve a garantia de que a idade para se aposentar não vai aumentar.

Porém não será possível pagar essa conta sem abalar as estruturas do que está aí, sem romper com o atual modelo capitalista. Afinal, não se faz uma omelete sem quebrar os ovos.


*Ana Luiza é servidora do Judiciário Federal. Em 2010, foi candidata ao Senado em São Paulo, pelo PSTU, e fez uma campanha contra a violência às mulheres, conquistando 109 mil votos.

Fonte: http://www.pstu.org.br/opressao_materia.asp?id=12427&ida=0