O que faltou no debate?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O que faltou no debate?

Foi realizado mais um debate eleitoral entre os presidenciáveis. Desta vez, o elenco do espetáculo estava, por assim dizer, completo. Todos os candidatos tidos como “principais”, para utilizar a palavra dos próprios jornalistas da TV Record (emissora do evento), estavam presentes. Foi possível ver as divergências, portanto, entre os “principais” projetos em disputa no Brasil. Certo?


Bem, as coisas não são assim. O debate, apesar disto, foi lacunoso no essencial. Trata-se da discussão acerca de perspectivas estratégicas para o país, e não do que tal ou qual emissora designa como alternativas “principais”. Para tanto, é necessário ir mais fundo na análise.


Se o início da discussão é o debate do dia 26 de setembro (último domingo) uma questão deve ser respondida a princípio: é preciso analisar individualmente Dilma (PT-PMDB), Serra (PSDB-DEM) e Marina (PV)? Se se trata de definir as particularidades de cada, a resposta é positiva. Para a discussão acerca da visão de mundo representada nestas três candidaturas para as eleições de 2010, no entanto, isto não é necessário.


Todas as candidaturas majoritárias representam um mesmo projeto. Dilma é o resultado eleitoral de oito anos de governo Lula, que, por sua vez, deu continuidade quase que estritamente aos oito anos de governo FHC (do qual Serra foi ministro do planejamento) no que diz respeito à política macroeconômica. Marina, por sua vez, não nega: ela mesma diz representar os últimos dezesseis anos de políticas governamentais no país. Com a diferença de que faz isto com base em um discurso ainda mais conservador (baseado no personalismo) e “pintado” de verde.


O objetivo deste texto não é, portanto, discutir esse campo da disputa eleitoral. Seria “chover no molhado”, analisar o último debate e colocar que, dos quatro candidatos presentes, apenas Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) representa, de fato algo diferente. Esta diferença é que merece ser discutida.


Plínio se saiu absolutamente bem no debate de domingo. Suas intervenções foram quase que perfeitas do ponto de vista retórico. Ele, visivelmente, “colocou no bolso” os outros candidatos. E não parece exagero pontuar que ele desengasgou uma porção de gente quando colocou que a forma de debater de Marina Silva é pura demagogia. Apontar as políticas neoliberais dos governos petistas e tucanos também foi um ponto forte do psolista.


Do ponto de vista do papel que Plínio precisa cumprir num processo eleitoral, contudo, pode haver alguns problemas. Por algum motivo (que deve estar relacionado com a coordenação de campanha do candidato, hegemonizada por setores centristas do PSOL), ele centrou a sua diferenciação em relação aos demais na questão da corrupção. Por diversas vezes repetiu que o PSOL é formado pelos petistas que não aceitaram a corrupção do antigo partido. Ora, com certeza um número considerável de militantes do partido deve ter achado a explicação insuficiente, considerando-se, aliás, que este não foi o motivo da expulsão do PT dos parlamentares que impulsionou a sua fundação.


Faltou aproveitar a oportunidade, levantada em diversos momentos do debate, para demarcar, claramente, a separação de classe entre o programa defendido por Plínio e o dos outros candidatos. Sem dúvidas, o programa que ele pode apresentar durante suas intervenções é muito mais interessante, do que centrar a tática de diferenciação na velha “ética na política”.


A explicação para isto é a constrição do programa do PSOL à estratégia democrático-popular. As propostas em si, apresentadas para a disputa eleitoral não são recuadas. Trata-se estatização de empresas, reforma agrária, estatização do sistema privado de educação, controle social da mídia etc. A forma como é vista a disputa eleitoral na estratégia do partido, contudo, é o que pesa no final. O PSOL dá à via eleitoral-parlamentar a mesma importância central que o PT deu durante as últimas décadas. E, neste sentido, faz concessões ao voto que não podem ser admitidas. Por isso, ao invés de apresentar as propostas do partido como o central de sua campanha e o motivo pelo qual os trabalhadores devem escolhê-lo e não os demais candidatos, esta questão fica quase que restrita ao combate à corrupção, à ficha limpa etc. A sua ausência no debate entre os candidatos de esquerda organizado pelo Brasil de Fato, por exemplo, não é um mero acaso.


Quais as consequências? A disputa eleitoral deixa de ser vista como uma forma de organização da classe trabalhadora para a conquista do poder político. Por outro lado, alimenta-se a ilusão de que eleitoralmente, por si só, é possível resolver as coisas. Já se viu como esse projeto acabou com o “ciclo PT” na esquerda brasileira. A soma da centralidade da via eleitoral-parlamentar ao caráter de classe do Estado, acabou resultando em uma acomodação dos impulsos contestadores do antigo partido dos trabalhadores. Efeito que se estendeu, inclusive, aos principais órgãos representativos de um projeto ligado aos interesses desta classe como a CUT, a UNE, o MST etc. A via eleitoral já demonstrou que não é a alternativa para a transformação social no Brasil.


O que faltou no debate, portanto, foi uma alternativa clara e radical. Não que o Plínio, por si só, não possa representar isto, mas é o programa de seu partido que o impede. Sem dúvidas, ele se diferencia dos neoliberais com quem concorre no mainsteram da campanha. Mas a forma como decidiu fazê-lo não é suficiente para transformar seus votos em um impulso de mobilizações e da luta direta das camadas populares do Brasil. Diferenciar-se pela “ética na política” é um desperdício da personalidade e da capacidade de debate do Plínio.


A lei eleitoral no Brasil já se encarregou de impedir que esta alternativa radical apareça. Ela obriga às emissoras de TV a “convidarem” para os debates transmitidos apenas os candidatos de partidos que possuam representação parlamentar. Nesta eleição, isto fez com que, de nove candidatos à presidência, cinco ficassem de fora dos debates. Dentre estes cinco, todos os três claramente socialistas (ainda que com divergências entre si): Zé Maria (PSTU), Ivan Pinheiro (PCB) e Rui Pimenta (PCO). Igualmente, a mesma lei eleitoral condiciona o tempo de TV ao número de parlamentares eleitos pelo partido. O que significa (e aqui até o PSOL é prejudicado), que ela faz de tudo para manter a proporcionalidade das câmaras legislativas “intocáveis” no seu essencial.


Aí está mais um aspecto que Plínio não denuncia. Ele tem chamado os debates eleitorais de democráticos e, neste último, parabenizou a Record em entrevista proferida ao final. Aí estava uma boa oportunidade de discutir a lei eleitoral. Ele tocou no monopólio midiático durante o evento, mas não é preciso lembrar que ele é candidato 24h por dia. E enquanto esta postura e o programa democrático-popular forem privilegiados, a lacuna dos últimos debates não será preenchida. Faltará a apresentação de uma alternativa socialista e revolucionária.

3 comentários:

Atreyu disse...

O PSOL e' o partido do futuro O//*

Eli Magalhães disse...

Pois para mim ele parece muito com o passado do PT =)

Marquinhus Vinicius disse...

Ay, ay, ay! Eita, rapaz, contigo é lá e lô, né?! Ótima exposição no texto, Eli. Ontem pela noite li um texto do Mészáros que fala exatamente sobre a "crítica a corrupção e ao ser ou não ser mau caráter", o que a própria esquerda recorre quando participa do jogo parlamentar. Uma pena de verdade. Se o momento que vivenciamos não nos favorece politicamente, mais catastróficas se tornam essas práticas nas eleições...