Da decepção à euforia

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Do blog umbrasileironoegito.wordpress.com, do enviado ao Egito do jornal Opinão Socialista (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados).Viva à luta do povo egípcio!

Da decepção à euforia

Posted: 12/02/2011 by lgporfirio in Uncategorized

O ANTICLÍMAX

A noite tinha um clima pesado. Claro, Mubarak estava mexendo com o orgulho das pessoas e por isso elas não iriam mostrar o abatimento perante o mundo. Mas havia sofrimento, e como havia. Era um ar de perplexidade, todas aquelas rodinhas de pessoas tentando ouvir o sistema de som dos palcos ou rádios e celulares, para receber tantas palavras duras do ditador. A imagem dos mártires vinha à cabeça, pessoas choravam o desespero de encontrar uma muralha de incompreensão do outro lado da política. O exército, o vice, os EUA? Quem deixou aquele homem falar aquelas coisas?


Muitas pessoas continuaram na praça, e foi bastante inteligente da parte dos organizadores logo lançar outras tarefas. Ir ao palácio, ir aos ministérios, ir à TV estatal. Manter-se ocupado. Ter a meta em mente. Erhal, erhal, erhal! Com as colunas saindo, muita gente ainda ficava, circulando numa praça que já nem mesmo tinha mais lugares para deitar cobertores e dormir.


Quando cheguei de manhã na praça, as filas no bloqueio aumentavam, já estava cheia a praça. Um pouco mais tarde, o Immam começou uma fala sentida, pausada, longa como um pai que deseja motivar um filho cabisbaixo que acabou de ter uma primeira grande decepção na vida. O salat foi igualmente longo, as pessoas tinham uma expressão pungente, as mãos pareciam cansadas e os rostos aflitos, ansiando por alívio. Uma mulher chorou perto de mim, todos pareciam lembrar-se do esforço intenso da nação e temiam que fosse em vão. Ao final da reza, mais algumas prostrações em homenagem aos mártires.


No meio da tarde, fui visitar a ocupação em torno do prédio da TV estatal. Ao chegar, caí em mim: errava, e muito, ao me deixar abalar. O povo egípcio não se deixou abalar. Lá estavam eles, gritando palavras de ordem na frente do símbolo das mentiras do regime, observando curiosos os rostos dos militares em volta, apertando-lhes as mãos e lhes dizendo palavras de sentido. Eu não tinha sido capaz de ver que a disposição desses lutadores iria prosseguir, mas com tarefas renovadas, a primeira e maior delas sendo o centro de propaganda do regime. Um grupo subiu no tanque, abraçou um soldado, e a multidão exultava. Na sacada do prédio, ao lado das metralhadoras montadas do exército, um jornalista e seu câmera saem, acenam e avisam que vão mostrar na TV do regime. A multidão vai ao delírio.


Comemoração na Praça Tahrir


O ESTOURO


Saí de lá com a crença firme de que agora sim, entendera o espírito da coisa: não vão nos abater, não vão nos atingir com esse joguinho interminável com nossos espíritos. Quando entrei de novo na praça ocupada, pelo lado do Museu, havia um resto de silêncio, e de repente um novo estouro, um chiado potente , um clamor vigoroso, e a certeza de que agora a ordem tinha entendido o recado. Meu amigo e fiel camarada, Mohammad Gamal, ainda tinha dúvidas, e perguntou a um homem se era o que pensávamos. Mas no íntimo eu sabia que era isso, só poderia ser isso. A mensagem do povo egípcio, que eu entendera apenas naquela tarde, chegou concomitantemente ao palácio.


Minha reação foi rir. Gargalhar. Rir da ordem, da velha estrutura, da elite que se arvorou com as tristes derrotas vividas pelos árabes desde 1967, pelas mãos do sionismo ou do imperialismo. Rir da sisudez de Mubarak e de todos os traços típicos dos ditadores que imagino serem os próximos: o inchaço acomodado do rei Abdullah II e o bigode constrangido de Bashar Al-Assad. Ri também de Hillary Clinton e Obama, de todas as tentativas para evitar o inevitável. E ri principalmente de Bibi Netanyahu. Quando a Intifada egípcia se espalhar pela região, gente como ele e Avigdor Lieberman será a piada entre árabes, judeus e todos os que se somarem à nova emancipação.


As pessoas pulavam, cantavam, abraçavam-se, celebravam como é instintivo do ser humano. Outras prostravam-se e agradeciam a Deus. No final das contas, todas tinham intensidade. Tinham uma vibração em frequência única, possível apenas para uma massa que aprendeu a se conhecer e se respeitar em semanas de esforço comum. Era a primeira vez que eu via uma tal sintonia, e eu continuava rindo, eufórico.

1 comentários:

Shuellen disse...

Texto muito. Sempre fico arrepiada quando leio textos como este.
Viva a luta do povo egípcio!!

=)